Como continuação a última postagem, hoje falarei um pouco sobre o segundo livro que compõe este tratado. Não obstante, gostaria de destacar que tal livro trata especificamente dos materiais e seu uso. Alguns dos materiais citados estão em desuso atualmente, mas sem o estudo destes não seria possível alcançar o nível de tecnologia que temos hoje. O estudo de materiais me pareceu imprescindível para Vitrúvio, pois foi colocado antes mesmo de questões sociais e políticas da época. Mas, só para contrariar, Vitrúvio começa o livro falando sobre Dinócrates e Alexandre, o Grande.
LIVRO II
O sonho do arquiteto Dinócrates era a construção de uma nova cidade. "Quando Alexandre se tornou o senhor do mundo", Dinócrates tratou logo de deixar a Macedônia e foi lhe apresentar suas ideias.
"Planejei dar ao monte Atos a forma de uma estátua viril em cuja mão esquerda tracei as muralhas de uma amplíssima cidade e na direita uma pátera que receberá a água de todas as nascentes que existem nesse monte e da qual será lançada no mar."
Alexandre aprovou a originalidade da ideia e logo lhe perguntou se haviam campos em volta, para o sustento da própria cidade. Como se concluísse que não havia outra alternativa senão o transporte marítimo, Alexandre descartou o projeto por reprovar o local escolhido. Talvez até mesmo pela sua ousadia, Dinócrates permaneceria junto a Alexandre, seguindo até o Egito. Este, vendo no Egito um local ideal para as ideias de Dinócrates, ordenou que se construísse ali e em seu nome, próxima ao rio Nilo, a cidade de Alexandria.
Vitrúvio então se compara a Dinócrates, falando sobre sua aparência e ideias diferentes das dele. Fez isso simplesmente pelo fato de tal tratado ser um presente ao seu Imperador Augusto e, sendo assim, esperava a sua aprovação e recomendação.
Da descoberta do fogo até a socialização, Vitrúvio mostra como as experiências nestes tempos foram essenciais para o anúncio da arquitetura. Tendo nascido a reunião e a sociedade devido à descoberta do fogo, e reunindo-se muitos no mesmo lugar; tendo a vantagem de andar ereto e não curvado, e usando as mãos e os dedos; podendo trabalhar tudo o que quisessem, começaram então a construir habitações ora cobertas de folhagens, ora escavadas sob os montes e, observando as construções alheias, a cada dia melhoravam as suas formas. Os homens estavam dispostos a imitar e a aprender e mostravam uns aos outros seus conhecimentos, exercitando assim as suas capacidades.
O primeiro material, e talvez o mais abordado, é a madeira. Vitrúvio fala sobre a importância da madeira nas contruções primitivas e também como os povos, como os frígios, utilizavam-se do próprio terreno para construir suas moradias.
"Na nação dos colcos, devido à abundância de florestas, colocadas árvores inteiras horizontalmente à esquerda e à direita sobre a terra, e deixado entre elas um espaço correspondente ao seu comprimento, dispõem-se de outras transversalmente sobre seus extremos, os quais delimitam o espaço da habitação (...) Por sua vez, os frígios, que habitam zonas de planície, desprovidos de madeira, escolhem elevações naturais do terreno, escavam seus interiores e, abrindo caminhos, dilatam os espaços até onde a natureza do local permitir."
A madeira era cortada no outono, quando os ventos tornavam as árvores despidas e úmidas, vazias e enfraquecidas e também com pouca densidade. As árvores, diferentes umas das outras, tinham suas especificidades, como foram citadas: o roble, o olmo, o choupo, o cipreste e o abeto. Este último é reverenciado por ser de elemento terreno ( teoria dos quatro elementos: terra, água, ar e fogo), não pesado e regulado por elementos mais leves. O abeto não cede nos vigamentos, sendo assim, ótima madeira estrutural. O olmo e o feixo não têm tanto vigor quanto o abeto, devido ao peso da umidade e rapidamente se encurvam, mas se deixados secar ao sol o retirada sua seiva tornam-se mais duros, sendo usados em travamentos. O cipreste, tendo abundância em água e distribuição igual dos outros elementos, costuma-se encurvar-se ao longo do tempo nas obras, mas contrariamente, mantem-se sem falhas. Por fim, em seu capítulo sobre madeiras, cita o larício, madeira utilizada para evitar incêndios nas insulae.
De fato, os incêndios continuaram acontecendo até muito tempo depois deste livro. Cidades inteiras como Londres, foram destruídas várias vezes, e ainda hoje acontece, nas favelas, a destruição de vários barracos de madeira pela ação do fogo. É claro que não vamos discutir agora a ocupação inadequada do solo, a falta de energia elétrica nas comunidades (fato que leva ao uso de velas para iluminação), mas deixemos nos levar por essa base de conhecimento, que antes mesmo do nascimento de Cristo, já nos indicava os usos corretos dos materiais... Fica claro que poderíamos estar fazendo mais por nós mesmos.
Para Vitrúvio, era possível progredir mediante vestígios de antigas criações dos edifícios e, caminhando gradualmente das edificações até as outras artes no horizonte, e então os homens passariam de uma vida selvagem à uma humanidade civilizada.
Os materiais adequados à construção eram escolhidos numa imensa gama de variedades pelas suas diferenças de uso e pelas qualidades que cada um poderia agregar ao edifício. O arquiteto então, como ainda cobra-se hoje e justamente, deveria conhecer os materiais e saber diferenciar seus tipos e usos.
Os tijolos crus deveriam ser confeccionados a partir de terra esbranquiçada com abundância em argila de terra vermelha, pois assim apresentariam consistência, leveza e argamassariam-se facilmente; a confecção deveria ser na primavera ou no outono, para melhor secagem e deveriam ser utilizados somente dois anos após a sua fabricação, pois assim verificava-se a sua qualidade. Existiam três espécies de tijolos: lydion, pentadorum e tetradorum. Vitrúvio ainda cita meios tijolos e tijolos de certa região da Hispânia, que ofereciam grandes utilidades, porque nem eram pesados nas construções e nem se desfaziam quando haviam tempestades. Isso acontecia porque a terra de que eram feitos era esponjosa.
Sobre as areias, destaca que a melhor areia será aquela que fizer um estridor ao ser friccionada, e não a que for terrosa. Porém adverte que as areias marinhas não são indicadas para obras. As espécies de areias fósseis são: negra, branca, vermelha e carbúnculo.
Após tratado das areias, recorre à cal, que deveria ser queimada a partir de pedra branca ou tufo calcário; sendo a mais útil nas estruturas a que for de pedra sólida e nos revestimentos a de pedra porosa.
Mas uma vez, Vitrúvio destaca a importância de conhecer os diferentes tipos de materiais, justificando sua afirmativa com a seguinte observação: encontra-se em geral na terra qualidade e variedade de espécie díspar, conforme a variedade das regiões.
Sobre as pedreiras, das quais se extraem e aprontam as pedras esquadriadas, fala sobre seus diferentes tipos e usos. As pedras macias, por exemplo, têm a vantagem de poderem ser trabalhadas logo após a sua extração, já na obra. Resistem ao peso da estrutura se usadas em locais cobertos, mas se usadas em locais descobertos são destruídas pela geada e pelo gelo do inverno.
Os sistemas construtivos utilizados eram o reticulado, e o antigo, chamado incerto.
"Deles, o mais elegante é o reticulado, mas potencializa a abertura de fendas, porque apresenta assentamentos e junturas que se desagregam para todos os lados. Por sua vez, as pequenas pedras de disposição irregular, assentes umas sobre as outras, proporcionam uma estrutura deselegante, porém mais segura que a reticulada."
No entanto, mais adiante diz: "Com efeito, nenhuma parede feita da maleável argamassa de pedra miúda poderá, com o decorrer do tempo, resistir à ruína."
Nota: o prazo de uso de uma construção antiga era de 80 anos. Atualmente, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) elaborou uma norma que fala sobre a duração das construções em si. Na norma apresentada, diz-se que cada construção deve durar, no mínimo, 50 anos. Ora, para um padrão atual até que não estamos mal, mas será que com tecnologias tão avançadas não poderíamos ao menos nos igualarmos às obras antigas? Será mesmo que as construções só duram 50 anos ou é tudo uma jogada de marketing? Afinal, o mercado imobiliário é um dos que mais cresce no Brasil. Seja como for, é importante pensarmos como podemos contribuir. Talvez esta leitura seja a mais importante de todas, pois conscientiza sobre algo que é real, que é literalmente concreto.