Este blog foi criado com o objetivo de compartilhar ideias e conhecimento com você, que costuma passar por aqui. Portanto, sinta-se à vontade para postar comentários e me ajudar a melhorar o conteúdo desta página. Aqui os posts sobre arquitetura e urbanismo predominarão, mas assuntos frequentes sobre história, música e fotografia poderão aparecer... E além disso, pretendo compartilhar algumas experiências em eventos acadêmicos, viagens e afins. Obrigada.

@jessicarossone

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Razões da Nova Arquitetura

É muito bom ter um blog para expor o que aprendemos. É ótimo por que então nos tornamos mais humildes, dividimos algo (nem que seja abstrato) com outras pessoas, que afirmo, têm a mesma sede de conhecimento que eu tenho.

Esta é uma leitura instigante do texto "Razões da Nova Arquitetura", de Lúcio Costa, retirado do livro "Lúcio Costa: Registro de uma vivência", publicado em 1934.

 "Na evolução da arquitetura, ou seja – nas transformações sucessivas por que tem passado a sociedade, os períodos de transição se têm feito notar pela incapacidade dos contemporâneos no julgar do vulto e alcance da nova realidade, cuja marcha pretendem, sistematicamente, deter. A cena é, então, invariavelmente, a mesma: gastas as energias que mantinham o equilíbrio anterior, rompida a unidade, uma fase imprecisa e mais ou menos longa sucede, até que, sob a atuação de forças convergentes, a perdida coesão se restitui e novo equilíbrio se estabelece. Nessa fase de adaptação a luz tonteia e cega os contemporâneos – há tumulto, incompreensão: demolição sumária de tudo que precedeu; negação intransigente do pouco que vai surgindo – iconoclastas e iconoclastas se digladiam. Mas, apesar do ambiente  confuso, o novo ritmo vai, aos poucos, marcando e acentuando a sua cadência, e o velho espírito – transfigurado – descobre na mesma natureza e nas verdades de sempre, encanto imprevisto, desconhecido sabor – resultando daí formas novas de
expressão. Mais um horizonte então surge, claro, na caminhada sem fim.

Estamos vivendo, precisamente, um desses períodos de transição, cuja importância, porém, ultrapassa – pelas possibilidades de ordem social que encerra – a de todos aqueles que o precederam. As transformações se processam tão profundas e radicais que a própria aventura humanística do Renascimento, sem embargo do seu
extraordinário alcance, talvez venha a parecer à posteridade, diante delas, um simples jogo pueril de intelectuais requintados. A cegueira é ainda, porém, tão completa, os argumentos "pró" e "contra" formam emaranhado tão caprichoso, que se afigura a muitos impossível surgir, de tantas forças contrárias, resultante
 apreciável; julgando outros simplesmente chegado – pois não perde a linha o pessimismo – o ano mil da arquitetura. As construções atuais refletem, fielmente, em sua grande maioria, essa completa falta de rumo, de raízes. Deixemos, no entanto, de lado essa pseudo-arquitetura, cujo único interesse é documentar,
objetivamente, o incrível grau de imbecilidade a que chegamos – porque, ao lado dela existe, já perfeitamente constituída em seus elementos fundamentais, em forma, disciplinada, toda uma nova técnica construtiva, paradoxalmente ainda à espera da sociedade à qual, logicamente, deverá pertencer. Não se trata, porém, evidentemente, de nenhuma antecipação miraculosa. Desde fins do século XVIII e durante todo o século passado, as experiências e conquistas, nos dois terrenos, se vêm somando paralelamente, – apenas, a natural reação dos formidáveis interesses adquiridos entravou, de certo modo, a marcha uniforme dessa evolução comum:
daí esse mal-estar, esse desacordo, essa falta de sincronização que, por momentos, se observa, e faz lembrar as primeiras tentativas do cinema sonoro – quando, com a boca já falando, o som ainda corria atrás.

Conquanto seja perfeitamente possível – como provam tantos exemplos – adaptar a nova arquitetura às condições atuais da sociedade, não é, todavia, sem constrangimento que ela se sujeita a essa contrafação mesquinha. Esta curiosa desarticulação mostra aos espíritos menos prevenidos quão próximos, na verdade, já nos achamos, socialmente, de uma nova mise au point, pois o nosso "pequeno drama" profissional está indissoluvelmente ligado ao grande drama social – esse imenso puzzle que se veio armando pacientemente – peça por peça – durante todo o século passado e, neste começo de século, se continua a armar com muito menos
paciência, não nos permitindo as peças que ainda faltam, a segurança de afirmar se é mesmo, de um anjo sem asas que se trata, como querem uns, ou, como asseveram outros – igualmente compenetrados – de um demônio imberbe.

Paira, com efeito, nos arraiais da arte – como nos demais – grande preocupação. Os grunhidos do lobo se têm feito ouvir com desoladora insistência, correndo a propósito boatos desencontrados, alarmantes. A atmosfera é de apreensões, como se o fim do mundo se aproximasse, cada qual se apressando em gozar os últimos instantes de evasão: escrevendo, pintando, esculpindo – as últimas folhas, telas ou fragmentos de emoção desinteressada, antes da opressão do curral que se enuncia com a humilhação do mergulho carrapaticida.

Em momentos como este pouco adianta falar à razão: não apenas porque nenhuma atenção será prestada a quem não grite, como porque – alguém acaso escutando – muito se arrisca a ser vaiado. Ninguém se entende: uns, impressionantemente proletários, insistem em restringir a arte aos contornos sintetizadores do cartaz de
propaganda, negando interesse a tudo que não cheire a suor; outros, eminentemente estetas, pretendem conservá-la em atitude equívoca e displicente entre nuvens aromáticas de incenso. Como sempre, no entanto, a verdade não se vexa: além da benção do sorriso branco – todos têm o seu bocado no colo opulento e acolhedor da babá. Ponhamos, pois, os pontos nos ii. É livre a arte; livres são os artistas – a receptividade deles é, porém, tão grande quanto a própria liberdade: apenas estoura, distante, um petardo certa atitude de afetada displicência.
 necessidades da vida de hoje e possibilidades dos atuais processos construtivos – causa pena; chega mesmo a comover o cuidado, a prudência pudica, os prodígios de engenho empregados paraEnquanto os engenheiros americanos elevam a uma altura nunca dantes atingida, as impressionantes afirmações metálicas da nova técnica – os arquitetos americanos, vestindo as mesmas roupas, usando os mesmos cabelos, sorrisos e chapéus, porém desgostosos com o passado pouco monumental que os antepassados legaram e sem nada compreender do instante excepcional que estamos vivendo – embarcam, tranqüilamente, para a Europa, onde se abastecem das mais falsas e incríveis estilizações modernas, dos mais variados e estranhos documentos arqueológicos, para grudá-los – com o melhor cimento – aos arcabouços impassíveis, conferindo-lhes assim a desejada percentagem de "dignidade".
O nosso interesse – como arquitetos – pela lição dos meios de transporte, a teimosa insistência com que nos voltamos para esse exemplo, é porque trata de criações, onde a nova técnica, encarando de frente o problema, e sem qualquer espécie de compromissos, – disse a sua palavra desconhecida, desempenhandose da tarefa com simplicidade clareza, elegância e economia. A arquitetura terá que passar pela mesma prova. Ela nos leva, é verdade, além – é preciso não confundir – da simples beleza que resulta de um problema tecnicamente resolvido; esta é, porém, a base em que se tem de firmar – invariavelmente – como ponto de partida.

De todas as artes é, todavia, a arquitetura – em razão do sentido eminentemente utilitário e social que ela tem – a única que, mesmo naqueles períodos de afrouxamento, não se pode permitir – senão de forma muito particular – impulsos individualísticos. Personalidade, em tal matéria, se não é propriamente um defeito, deixa, em todo caso, de ser recomendação. Preenchidas as exigências de ordem social, técnica e plástica a que, necessariamente, se tem de cingir, as oportunidades de evasão se apresentam bastante restritas; e se, em determinadas épocas, certos arquitetos de gênio revelam-se aos contemporâneos desconcertantemente originais (Brunellesco no começo do século XV, atualmente, Le Corbusier), isto apenas significa que neles se concentram em um dado instante preciso – cristalizando-se de maneira clara e definitiva em suas obras – as possibilidades, até então sem rumo, de uma nova arquitetura. Daí não se infere que, tendo apenas talento, se possa repetir a façanha: a tarefa destes, como a nossa – que não temos nem um nem outro – limita-se em adaptá-las às imposições de uma realidade que sempre se transforma – respeitando, porém, a trilha que a mediunidade dos precursores revelou.

Ainda existe, no entanto, presentemente, completo desacordo entre a arte, no sentido acadêmico, e a técnica: a tenacidade, a dedicação, a intransigente boa fé, com que tantos arquitetos – moços e velhos – se empenham às cegas, por adaptar num impossível equilíbrio, a arquitetura que lhes foi ensinada às
preservar no triste contato da realidade – a suposta reputação da donzela arquitetura. Um verdadeiro reduto de batalhadores apaixonados e destemerosos se formou em torno à cidadela sagrada, e, penacho ao vento, pretende defender, contra a sanha bárbara da nova técnica, a pureza sem mácula da deusa inatingível.

Todo esse augusto alarido resulta, porém, de um equívoco inicial: aquilo que os senhores acadêmicos – iludidos da própria fé – pretendem conservar como a deusa em pessoa – não passa de uma sombra, um simulacro; nada tem a ver com o original do qual apenas é o arremedo em cera. Ela ainda possui aquilo que os
senhores acadêmicos já perderam – e continua a sua eterna e comovente aventura.  Mais tarde, enternecidos, os bons doutores passarão uma esponja no passado e aceitarão, como legítima herdeira, esta que já é hoje uma garota bem esperta, de cara lavada e perna fina. É pueril o receio de uma tecnocracia; não se trata do monstro causador de tantas insônias em cabeças ilustres – mas de animal perfeitamente domesticável, destinado a se transformar no mais inofensivo dos bichos caseiros. Especialmente no que diz respeito ao nosso país, onde tudo ainda está, praticamente, por fazer – e tanta coisa por desmanchar; e tudo fazemos mais ou menos de ouvido, empiricamente – profligar e enxotar a técnica com o receio de uma futura e problemática hipertrofia, parece-nos, na verdade, pecar por excesso de zelo. Que venha e se alastre despertando com a sua aspereza e vibração este nosso jeito desencantado e lerdo, porquanto a maior parte – apesar do ar pensativo que tem – não pensa, é mesmo, em coisa alguma.

Seja como for, não sendo ela um fim, mas, simplesmente, o meio de alcançá-lo, não lhe cabe a culpa se os benefícios, porventura obtidos, nem sempre têm correspondido aos prejuízos causados, mas àqueles que a têm nas mãos. E, neste particular, o exemplo dos EUA – onde, num respeitoso tributo à Arte, as estruturas mais puras deste mundo são religiosamente recobertas, de cima abaixo, de todos os detritos do passado – é típico.
 O que caracteriza e, de certo modo, comanda a transformação radical de todos os antigos processos de construção – é a ossatura independente. Tradicionalmente, as paredes – de cima abaixo do edifício cada vez mais espessas até se esparramarem solidamente ancoradas ao solo – desempenharam função capital: formavam a própria estrutura, o verdadeiro suporte de toda a fábrica. Um milagre veio, porém, libertá-las dessa carga secular. A revolução, imposta pela nova técnica, conferiu outra hierarquia aos elementos da construção, destituindo as paredes do pesado encargo que lhes fora sempre atribuído e do qual – seja dito a bem da verdade – souberam desempenhar-se a contento e com inexcedível "dedicação". Embora essa destituição possa representar – sob o ponto de vista estritamente "moral" – um rebaixamento, necessário se torna, no entanto, convir que, em idade tão avançada e na contingência de precisar resistir a esforços sempre maiores – mantêlas no cargo seria expor-se a surpresas desagradáveis, de conseqüências imprevisíveis. A nova função que lhes foi confiada – de simples vedação – oferece, sem os mesmos riscos e preocupações – outras comodidades. Toda a responsabilidade foi transferida, no novo sistema, a uma ossatura independente, podendo tanto ser de concreto armado como metálica. Assim, aquilo que foi – invariavelmente – uma espessa muralha durante várias dezenas de séculos, pôde, em algumas dezenas de anos, graças à nova técnica, transformar-se (quando convenientemente orientada, bem entendido: sul no nosso caso) em uma simples lâmina de cristal. Certas pessoas se mostrama qualquer distância, ondulam acompanhando o movimento normal do tráfego interno, permitindo outro rendimento ao volume construído.seus volumes de pura geometria – aquela disciplina e retenue próprias da grande arquitetura; conseguindo mesmo, um valor plástico nunca dantes alcançado, e que a aproxima – apesar do seu ponto de partida rigorosamente utilitário – da arte pura. É essa seriedade, esse quê de impassível altivez – a melhor– empenhando-se em produzir aquilo que os únicos interessados ainda não lhe reclamaram.
No entanto, os "velhos" europeus, fartos de uma herança que os oprime, caminham para a frente, fazendo a vida nova à própria custa, aproveitando as possibilidades do material e da prodigiosa técnica que os "jovens" americanos não souberam utilizar. Assim, com vinte séculos de intervalo, a história se repete. Os romanos – admiráveis engenheiros – servindo-se de alvenaria e concreto, ergueram, graças aos arcos e abóbadas – estruturas surpreendentes: não perceberam que a dois passos estava a arquitetura – apelaram para a Grécia decadente. Revestiram a nudez sadia dos seus monumentos com uma crosta de colunas e platibandas de mármore e travertino – vestígios de um sistema construtivo oposto. E foram precisamente os gregos em Bizâncio – Santa Sofia – que aproveitaram, tirando-lhe todo o partido da
extraordinária beleza – a nova técnica. Aliás, existem outras curiosas afinidades entre esses dois povos tão afastados no tempo: a coragem de empreender, a arte de organizar, a ciência de administrar; a variedade das raças; a opulência dos centros cívicos; os estádios e certa ferocidade esportiva; o pragmatismo; o mecenismo; o gosto da popularidade; o próprio jeitão dos senadores e, até mesmo, a mania das recepções triunfais – tudo os aproxima. Tudo que o romano tocava, logo tomava ares romanos; quase todos que atravessam o continente saem carimbados: EUA.

A nova técnica reclama a revisão dos valores plásticos tradicionais.
alarmadas quando se fala em vidro – como se aqueles compartimentos necessários em diferentes circunstâncias, a certas atitudes igualmente indispensáveis e variadas, devessem também ser de vidro: poderão continuar fechados, ou apenas translúcidos, não há como recear – a "dignidade" será mantida.

Parede e suporte representam hoje, portanto, coisas diversas; duas funções nítidas, inconfundíveis. Diferentes quanto ao material de que significa essa independência – temos a chave que permite alcançar, em todas as suas particularidades, as intenções do arquiteto moderno; e falsa superposição. Fabricadas com materiais leves, à prova de som e das variações de temperatura; livres do encargo rígido de suportar, deslizam ao lado das impassíveis colunas, param

É este o segredo de toda a nova arquitetura. Bem compreendido o que significa essa independência – temos a chave que permite alcançar, em todas as suas particularidades, as intenções do arquiteto moderno; porquanto foi ela o trampolim que, de raciocínio em raciocínio, o trouxe às situações atuais, – e não apenas no que se relaciona à liberdade de planta, mas ainda, no que respeita à fachada, já agora denominada "livre": pretendendo-se significar com essa expressão a nenhuma dependência ou relação dela com a estrutura. Com efeito, os balanços impostos pelo aproveitamento racional da armação dos pisos teve como conseqüência imediata
transferir as colunatas – que sempre se perfilaram, muito solenes, do lado de fora – para o interior do edifício, deixando assim às fachadas (simples vedação) absoluta liberdade de tratamento: do fechamento total ao pano de vidro; e como, por outro lado, os cantos aparentes do prédio não têm mais responsabilidades de amarração – o que motivara, tradicionalmente, a criação dos cunhais reforçados – os vãos, livres de qualquer impedimento, podem vir morrer de encontro ao topo dessas paredes protetoras – fato este de grande significação, porquanto a beleza em arquitetura – satisfeitas as proporções do conjunto, e as relações entre as partes e o todo – se concentra nisto que constitui propriamente a expressão do edifício: o jogo de cheios e vazios. Conquanto esse contraste, de que depende em grande parte, a vida da composição, tenha constituído uma das preocupações capitais de toda a arquitetura – se teve sempre que pautar, na prática, aos limites impostos pela segurança, que assim, indiretamente, condicionava os padrões usuais de beleza às possibilidades do sistema construtivo.

A nova técnica, no entanto, conferiu a esse jogo imprevista elasticidade, permitindo à arquitetura uma intensidade de expressão até então ignorada: a linha melódica das janelas corridas, a cadência uniforme dos pequenos vãos isolados, a densidade dos espaços fechados, a leveza dos panos de vidro, tudo voluntariamente excluindo qualquer idéia de esforço, que todo se concentra, em intervalos iguais, nos pilotis – solto no espaço – o edifício readquiriu, graças à nitidez das suas linhas e à limpidez dos
característica dos verdadeiros exemplos da nova arquitetura e que os distingue, precisamente, do falso modernismo, cujos ares brejeiros de trocadilho, têm qualquer coisa de irresponsável.

Entretanto, tais soluções, características e de grande beleza plástica, chocam aqueles que, armados de preconceitos, e não convenientemente esclarecidos ainda das razões e sentido da nova arquitetura, procuram analisá-la, baseados, não somente nos princípios permanentes – que estes ela os respeita integralmente –
mas naqueles que resultaram de uma técnica diferente, pretendendo assim descobrir-lhe qualidade que ela não pode nem deve possuir. Todavia, muitos poucos entre nós (1934) compreendem, em seu verdadeiro sentido, essas transformações. Conquanto a estrutura seja, de fato, independente – o material ainda empregado no
enchimento das paredes externas e divisórias é pesado e impróprio para tal fim, obrigando-as assim, naturalmente, a não perder de vista as vigas e nervuras, para evitar um reforço antieconômico das respectivas lajes; daí a preocupação de interpenetrar – numa identificação impossível e estéril – a espessura contraditória das colunas e paredes – e, como ainda procuramos recompor as fachadas reproduzindo as idéias mentirosas de embasamento e parede-suporte – atribuindo, assim, aos nossos edifícios, certas aparências próprias a construções de outro sistema: todas as
possibilidades da nova técnica são, praticamente, anuladas – carecendo de significação a maior parte das tentativas, apesar das grotescas feições modernísticas e outras incongruências. (1934) É preciso, antes do mais, que todos – arquitetos, engenheiros, construtores e o público em geral – compreendam as vantagens,
possibilidades e beleza própria que a nova técnica permite, para que então a indústria se interesse, e nos forneça – economicamente – os materiais leves e à prova de ruído, que a realidade necessita. Não podemos esperar que ela tome a si todos os riscos da iniciativa

Além do ar condicionado, que já é uma realidade, e o complemento lógico da arquitetura moderna (é expressiva a anedota-reclame do médico que recomenda ao doente a freqüência assídua ao cassino da Urca) – é imprescindível que a indústria se apodere da construção, produzindo, convenientemente apurados, todos osaborrecer àquele gosto (quase mania) de variedade a que nos acostumou o ecletismo diletante do século passado, – é um sintoma inequívoco de vitalidade e vigor; a maior prova de não estarmos diante de experiências caprichosas e inconsistentes como aquelasainda aceitos pela maioria – tenderão, todavia, a desaparecer. Quanto à ausência de ornamentação, não é uma atitude, mera afetação como muitos ainda hoje supõem – parece mentira – mas a conseqüência lógica da evolução da técnica construtiva, à sombra da evolução social, ambas (não será demais insistir) condicionadas àpressuposto que se possa alegar, como justificativa, a influência centralizadora da Igreja – ainda havia índios nas nossas praias virgens do suor português: começou com a expedição turístico-militar de Carlos VIII à Itália, na primavera de 1494 – a que se seguiram as Luís XII e Francisco I. Foi então que se derramou pela Europa inteira – cansada de malabarismos góticos – o novo entusiasmo que, como a expansibilidade de um gás, penetrou todos os recantos do mundo ocidental – intoxicando todos os espíritos. E a nova arquitetura, mesclando-se de início às caturrices góticas, foi, aos poucos, simplificando, suprimindo os barbarismos, impondo ordenação, ritmo, simetria, até culminar no classicismo do século XVIII e no academismo que se lhe seguiu. Nada se pode, com efeito, imaginar portanto, temporária – é, porém, tão humana, tem um gosto tão forte de adolescência, que faz sorrir, porquanto repete – com acentuada malícia – a pequena tragédia do "novo rico" burguês, com o agravante de ser, desta vez, coletiva.
Agora, estimulados pelo nacionalismo racista, no seu apelo aos últimos vestígios de aspereza gótica que se possam, porventura, ainda esconder sob o brilho da Kultur
Ainda agora é fácil reconhecer no modernismo alemão os traços inconfundíveis desse barroquismo, apesar das exceções merecedoras de menção, entre as quais, além da de Walter Gropius, a da obra verdadeiramente notável de Mies van der Rohe: milagre da simplicidade, elegância e clareza, cujos requintes, longe de prejudicá-la, dão-nos uma idéia precisa do que já hoje poderiam ser as nossas casas. Nada tem, ainda, de eslava, como se poderia confusamente supor, baseado no fato de ser a Rússia, de todos os países, o mais empenhado na procura do novo equilíbrio – consentâneo com a noção mais ampla de justiça social que a grande indústria, convenientemente orientada e distribuída, permite, e cujas necessidades e problemas coincidem com as possibilidades e soluções que a nova técnica impõe.

Para comprová-lo, basta que se note a maneira pouco feliz com que os russos – apesar das experiências iniciais do “construtivismo” – dela se têm servido, o que atesta uma estranha incompreensão. Torna-se, mesmo, curioso observar que a Rússia – como as demais nações – também reage, presentemente, contra os princípios da boa arquitetura, procurando em Roma inspiração às obras de caráter monumental com que pretende “épater” turistas beócios e camponeses recalcitrantes. Não passará este fato, possivelmente, de uma crise de fundo psicológico e de fácil explicação. Era, na verdade, industrialmente, esse país, um
dos menos preparados para embarcar na aventura comunista; não obstante, em menos de vinte anos de trabalho (1934), o resultado já obtido, – embora o padrão de vida ainda seja baixo, com relação ao de certos países capitalistas – surpreenda os espíritos mais cépticos. É, pois, natural que – depois de tantos séculos de exploração sistematizada e miséria – o otimismo transborde e se derrame em aparatosas manifestações exteriores, numa escolha, nem sempre feliz, de formas de expressão. Essa falta de medida – resultante de uma crise de crescimento e,

Filia-se a nova arquitetura, isto sim, nos seus exemplos mais característicos – cuja clareza e objetividade nada têm do misticismo nórdico – às mais puras tradições mediterrâneas, àquela mesma razão dos gregos e latinos, que procurou renascer no Quatrocentos, para logo depois afundar sob os artifícios da maquilagem 
acadêmica – só agora ressurgindo, com imprevisto e renovado vigor. E aqueles que, num futuro talvez não tão remoto como o nosso comodismo de privilegiados deseja, tiveram a ventura – ou o tédio – de viver dentro da nova ordem conquistada, estranharão, por certo, que se tenha pretendido opor criações de origem idêntica e negar valor plástico a tão claras afirmações de uma verdade comum. Porque, se as formas variam – o espírito ainda é o mesmo, e permanecem, fundamentais, as mesmas leis.

Depois de uma coisa, vem outra; ser moderno é – conhecendo a fundo o passado – ser atual e prospectivo. Assim, cabe distinguir entre moderno e “modernista”, a fim de evitar designações inadequadas. A arquitetura dita moderna, tanto aqui como alhures, resultou de um processo com raizes profundas, legítimas e, portanto, nada tem a ver com certas obras de feição afetada e equivoca – estas sim, “modernistas”.
Ao contrario do que ocorreu na maioria dos países, no Brasil foram justamente aqueles poucos que lutaram pela abertura para o mundo moderno, os que mergulharam no país à procura das suas raízes, da sua tradição, tanto em São Paulo nos anos 20, como no Rio, em Minas, sul e nordeste nos anos 30, propugnando pela defesa e preservação do nosso passado válido (SPHAN)."

elementos de que ela carece. Entretanto, apesar das sedutoras possibilidades econômicas que tal aventura sugere, ela ainda se abstém de uma intromissão desassombrada em tão altos domínios, justamente receosa de incorrer em atitude sacrílega. E, também, porque, para se empreender alguma coisa, é preciso inicialmente saber-se, com a possível exatidão – aquilo que se pretende, para, então, mobilizar os meios necessários: é nesta obra grandiosa de abrir o caminho conveniente à indústria que, em todo o mundo, inúmeros arquitetos se empenham com fé, alguns com talento, e um – com gênio. Todos, porém, de acordo com o seguinte princípio essencial: a arquitetura está além; a técnica – é o ponto de partida. E, se não podemos exigir de todos os arquitetos a qualidade de artistas, temos o direito de reclamar daqueles que o não forem, ao menos, a arte de
construir.

Embora desmascare os artificialismos da falsa imponência acadêmica, a nova arquitetura não se pretende furtar – como levianamente se insinua – às imposições da simetria, senão encará-la no verdadeiro e amplo sentido que os antigos lhe atribuíam: com medida – tanto significando o rebatimento primário em torno de um eixo, como o jogo dos contrastes sabiamente neutralizados em função de uma linha definida e harmônica de composição, sempre controlada pelos traços reguladores, esquecidos dos acadêmicos e tão do agrado dos velhos mestres. Ela caracteriza-se, aos olhos do leigo, pelo aspecto industrial e ausência de ornamentação. É nessa uniformidade que se esconde com efeito, a sua grande força e beleza: casas de moradia, palácios, fábricas – apesar das diferenças e particularidades de cada um, têm entre si certo ar de parentesco, de família, que – conquanto possa
que precederam, porém de um todo orgânico, subordinado a uma disciplina, um ritmo – diante de um verdadeiro estilo enfim, no melhor sentido da palavra. Porque essa uniformidade sempre existiu e caracterizou os grandes estilos. A chamada arquitetura gótica, por exemplo, que o público se habituou a considerar própria, apenas, para construções de caráter religioso, era, na época, uma forma de construção generalizada – e aplicada indistintamente a toda sorte de edifícios, tanto de caráter militar, como civil ou eclesiástico.

Da mesma forma com a arquitetura contemporânea. Essa feição industrial que, erradamente, lhe atribuímos, tem origem – além daqueles motivos de ordem técnica já referidos, e social, a que as regras atuais de bienséance não permitem alusão – num fato simples: as primeiras construções em que aplicaram os novos
processos foram, precisamente, aquelas em que, por serem exclusivamente utilitárias, os pruridos artísticos dos respectivos proprietários e arquitetos serenaram em favor da economia e do bom senso – permitindo assim que tais estruturas ostentassem, com imaculada pureza, as suas formas próprias de expressão. Não se trata, porém, como apressadamente se concluiu – incidindo em lamentável confusão – de um estilo reservado, apenas, a determinada categoria de edifícios, mas de um sistema construtivo absolutamente geral.

É igualmente ridículo acusar-se de monótona a nova arquitetura simplesmente porque vem repetindo, durante alguns anos, umas tantas formas que lhe são peculiares – quando os gregos levaram algumas centenas trabalhando, invariavelmente, no mesmo padrão, até chegarem às obras-primas da acrópole de Atenas. Os estilos se formam e apuram, precisamente, à custa dessa repetição – que
perdura enquanto se mantém as razões profundas que lhe deram origem.

Tais preconceitos têm cedido um pouco à conveniência e, conquanto
máquina. O ornato no sentido artístico e humano que sempre presidiu à sua confecção é, necessariamente, um produto manual. O século XIX, vulgarizando os moldes e as formas, industrializou o ornato, transformando-o em artigo de série, comercial, tirando-lhe assim a principal razão de ser – a intenção artística, e despindo-o de qualquer interesse como documento humano. O "enfeite" é, de certo modo, um vestígio bárbaro – nada tendo a ver com a verdadeira arte, que tanto pode servir dele como ignorálo. A produção industrial tem as qualidades próprias: a pureza das formas, a nitidez dos contornos, a perfeição do acabamento.

Partindo destes dados precisos e por um rigoroso processo de seleção, poderemos atingir, como os antigos, – com a ajuda da simetria – a formas superiores de expressão, contanto para tanto com a indispensável colaboração da pintura e da escultura – não no sentido regional e limitado do ornato, porém num sentido mais
amplo. Os grandes panos de parede tão comuns na arquitetura contemporânea são verdadeiros convite à expressão pictórica, aos baixos-relevos, à estatuária como expressão plástica pura, integrada ou autônoma. Além daquela aparente uniformidade, daquele tom de conversa que predomina nas construções contemporâneas tanto de caráter privado como público, em contraste com o tom de discurso exigido para estas últimas pelos nossos avós – ainda se quer atribuir, à nova arquitetura, outro pecado: o internacionalismo.

Acreditamos que tal receio seja, no entanto, tardio, pois a internacionalização da arquitetura não começou com o concreto armado e o "após-guerra", quando começou – desprezando as arquiteturas românica e gótica, eminentemente internacionais, no
tão absolutamente internacional como essa estranha maçonaria que – supersticiosamente – de Berlim a Washington, de Paris a Londres ou Buenos Aires, com insistência desconcertante, repetiu, até ontem – as mesmas colunatas, mesmos frontões, mesmíssimas cúpulas, indefectíveis.

Assim, o internacionalismo da nova arquitetura nada tem de excepcional, nem de particularmente judaico – como, num jogo fácil de palavras, se pretende – apenas respeita um costume secularmente estabelecido. É, mesmo, neste ponto – rigorosamente tradicional. Nada tem tampouco de germânica – conquanto na Alemanha mais do que em qualquer outro país, o após-guerra, juntando-se às verdadeiras causas anteriormente acumuladas, criasse atmosfera propícia, servindo  de pretexto à sua definitiva eclosão – pois apesar da quantidade, a qualidade dos exemplos deixa bastante a desejar, acusando mesmo, a maioria, uma ênfase barroca nada recomendável. Com efeito, enquanto nos países de tradição latina – inclusive as colônias americanas de Portugal e Espanha – a arquitetura barroca soube sempre manter, mesmo nos momentos de delírio a que por vezes chegou, certa compostura, até dignidade, conservando-se a linha geral da composição, conquanto elaborada, alheia ao assanhamento ornamental – nos países de raça germânica, encontrando no barbarismo atávico, recalcado pelas boas maneiras do Renascimento, campo propício, frutificou, atingindo a um grau de licença – senão mesmo deboche plástico – sem precedentes.

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