Este blog foi criado com o objetivo de compartilhar ideias e conhecimento com você, que costuma passar por aqui. Portanto, sinta-se à vontade para postar comentários e me ajudar a melhorar o conteúdo desta página. Aqui os posts sobre arquitetura e urbanismo predominarão, mas assuntos frequentes sobre história, música e fotografia poderão aparecer... E além disso, pretendo compartilhar algumas experiências em eventos acadêmicos, viagens e afins. Obrigada.

@jessicarossone

sexta-feira, 1 de julho de 2011

"O Gótico e o Barroco como expressões arquitetônicas privilegiadas da arte sacra"


"O Gótico  e o Barroco como expressões arquitetônicas privilegiadas da arte sacra" foi o tema de um minicurso ministrado pelo Prof. Dr. João Henrique dos Santos, do Departemento de História e Teoria da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro durante um Simpósio da  Associação Brasileira de História das Religiões na Universidade Federal de Juiz de Fora.

O minicurso discutiu desde as premissas da arte sacra até o estilo barroco, evidenciando expoentes nacionais, passando pelos estilos paleocristão e românico.


O Gótico

Arquitetura gótica é um estilo arquitetónico que segundo pesquisas, é evolução da arquitetura românica e precede a arquitetura renascentista. Foi desenvolvido na França em pleno período medieval, onde originalmente se chamava "Obra Francesa" (Opus Francigenum). O termo “gótico” só apareceu no final do Renascimento como um insulto estilístico.

Com o gótico, a arquitetura ocidental atingiu um dos pontos culminantes da arquitetura pura. As abóbadas cada vez mais elevadas e maiores, não apoiavam-se em muros e paredes compactas e sim sobre pilastras ou feixes de colunas. Uma série de suportes que eram constituídos por arcobotantes e contrafortes possuía a função de equilibrar de modo externo o peso excessivo das abóbadas. Desta forma, imensas paredes espessas foram excluídas dos edifícios de gênero gótico e foram substituídas por vitrais e rosáceas que iluminavam o ambiente interno.

O estilo gótico ficou marcado em muitas catedrais europeias, entre elas a de Notre-Dame, Chartres, Colônia e Amiens. Muitas catedrais góticas caracterizam-se pelo verticalismo e majestade, denominando-se durante a Idade Média, como supremacia e influência para a população.


Notre Dame de Paris em março/2014



O Barroco

A arquitetura barroca é o estilo arquitetônico praticado durante o período que se inicia a partir do século XVII e decorre até a primeira metade do século XVIII. A palavra portuguesa “barroco” define uma pérola de formato irregular.

O barroco é libertação espacial, é libertação mental das regras dos tratadistas, das convenções, da geometria elementar. É libertação da simetria e da antítese entre espaço interior e exterior. Por essa ser a vontade, de libertação, o barroco assume um significado do estado psicológico de liberdade e de uma atitude criativa liberta de preconceitos intelectuais e formais. É a separação da realidade artística do maneirismo. A arquitetura barroca ocorreu principalmente em países católicos da Europa como Itália, Áustria, Espanha e Portugal.

A arquitetura barroca é caracterizada pela complexidade na construção do espaço e pela busca de efeitos impactantes e teatrais, uma preferência por plantas axiais ou centralizadas, pelo uso de contrastes entre cheios e vazios, entre formas convexas e côncavas, pela exploração de efeitos dramáticos de luz e sombra, e pela integração entre a arquitetura e a pintura, a escultura e as artes decorativas em geral. Em termos artísticos, o barroco vai utilizar a escala como valor plástico de primeira grandeza. Os efeitos volumétricos são também elementos essenciais na arquitetura barroca.

O exemplo precursor da arquitetura barroca geralmente é apontado na Igreja de Jesus em Roma, cujo projeto foi de Giacomo Vignola, e a fachada e a cúpula de Giacomo della Porta. Vignola partiu de modelos clássicos estabelecidos pelo Renascimento, que por sua vez se inspiraram na tradição arquitetônica da Grécia e da Roma antigas. As diferenças introduzidas por ele foram a supressão do transepto, a ênfase na axialidade e o encurtamento da nave, e procurou obter uma acústica interna eficaz.

A fachada se tornou um modelo para as gerações futuras de igrejas jesuítas, com pilastras duplas sustentando um frontão no primeiro nível, e um outro frontão, maior, coroando toda a composição. O interior era originalmente despojado, e seu aspecto atual é resultado de decorações no final do século XVII, destacando-se um grande painel pintado no teto com o recurso da arquitetura ilusionística.


Chiesa di Gesú em fevereiro/2014

As discussões foram além do Gótico e do Barroco, com citações de cunho social e histórico, com discussões sobre o nosso país e nossa realidade sobre os temas.

Principais expoentes da arquitetura barroca:

"Francesco Borromini, que entre muitas obras construiu em Roma o San Carlo alle Quattro Fontane. Surge aí a associação entre elementos retos e elementos curvos, utilizando formas ambivalentes. A fachada é visualmente dinâmica, o que não deixa os espectadores parados. Exibe uma complexidade em termos de organização, côncava, convexa e retas; é este dinamismo que o barroco impõe. Cria-se um portal monumental, que joga com várias formas, desloca-se o sino para a zona da fonte, em vez da zona central, destacando assim também a importância da fonte, como elemento criativo e funcional integrado na arquitectura. Borromini foi ainda o autor de igreja de Sant'Agnese in Agone, na Piazza Navona, e de Sant'Andrea delle Fratte, ambas em Roma.
Gian Lorenzo Bernini, um dos pioneiros da arte barroca, juntamente com seu rival Francesco Borromini. Bernini é autor de inúmeras obras célebres, entre as quais se destaca o baldaquino da basílica de São Pedro em Roma. Por encomenda do cardeal Borghese, realizou várias obras num estilo independente que representava uma reação contra os conceitos da estatuária renascentista então em voga. Matteo Barberini, eleito papa em 1623 com o nome de Urbano VIII, foi o maior patrono de Bernini. Durante seu pontificado, o artista criou o baldaquino de São Pedro (1624), as fachadas da igreja de Santa Bibiana e do palácio Propaganda Fide (1627), o projeto dos campanários da basílica de São Pedro. Em 1644 morreu Urbano VIII, que foi sucedido por Inocêncio X. Bernini perdeu seu privilegiado lugar no Vaticano para o rival Borromini. Estava então trabalhando no grupo “A verdade descoberta pelo tempo”, em alusão à injustiça das perseguições que lhe foram movidas, mas que ficou inacabado. Em 1647 Bernini completou, na capela Cornaro da igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma, o “Êxtase de santa Teresa”, um dos pontos altos da escultura barroca. Pouco depois reconciliou-se com o novo papa, que lhe encomendou a “Fonte dos quatro rios” , peça central da Piazza Navona, também em Roma. Em 1656, já no pontificado de Alexandre VII, projetou a colunata da praça de San Pietro, a igreja de Sant'Andrea al Quirinale e a escada régia do Vaticano. Em seus últimos anos Bernini restaurou a ponte do castelo de Sant'Angelo, para a qual criou uma série de anjos amargos e dolentes. Bernini foi durante mais de dois séculos desprezado pelos acadêmicos e classicistas e considerado o melhor exemplo do mau gosto e da monstruosidade artística. Com a reabilitação do estilo barroco no século XX, voltou a ser reconhecido como um dos maiores escultores e arquitetos de todos os tempos.

Na arquitetura barroca foi importante a observação de proporções geométricas definidas, como a Seção Áurea (φ=1,618) e a Sequência de Fibonacci (1,1,2,3,5,8...), uma vez que a teoria da arquitetura estava permeada de concepções que a relacionavam com a estrutura do universo. Acreditava-se que o cosmos fosse estruturado por proporções matemáticas, que a Terra e os outros planetas se moviam dentro de molduras concêntricas cristalinas, invisíveis e impalpáveis, mas não obstante reais, que deveriam ser imitadas na construção dos edifícios e no planejamento urbano, refletindo também a ideologia do Estado centralizado."
Irei postar aqui algumas partes interessantes e pontuais no minicurso e também imagens.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Razões da Nova Arquitetura

É muito bom ter um blog para expor o que aprendemos. É ótimo por que então nos tornamos mais humildes, dividimos algo (nem que seja abstrato) com outras pessoas, que afirmo, têm a mesma sede de conhecimento que eu tenho.

Esta é uma leitura instigante do texto "Razões da Nova Arquitetura", de Lúcio Costa, retirado do livro "Lúcio Costa: Registro de uma vivência", publicado em 1934.

 "Na evolução da arquitetura, ou seja – nas transformações sucessivas por que tem passado a sociedade, os períodos de transição se têm feito notar pela incapacidade dos contemporâneos no julgar do vulto e alcance da nova realidade, cuja marcha pretendem, sistematicamente, deter. A cena é, então, invariavelmente, a mesma: gastas as energias que mantinham o equilíbrio anterior, rompida a unidade, uma fase imprecisa e mais ou menos longa sucede, até que, sob a atuação de forças convergentes, a perdida coesão se restitui e novo equilíbrio se estabelece. Nessa fase de adaptação a luz tonteia e cega os contemporâneos – há tumulto, incompreensão: demolição sumária de tudo que precedeu; negação intransigente do pouco que vai surgindo – iconoclastas e iconoclastas se digladiam. Mas, apesar do ambiente  confuso, o novo ritmo vai, aos poucos, marcando e acentuando a sua cadência, e o velho espírito – transfigurado – descobre na mesma natureza e nas verdades de sempre, encanto imprevisto, desconhecido sabor – resultando daí formas novas de
expressão. Mais um horizonte então surge, claro, na caminhada sem fim.

Estamos vivendo, precisamente, um desses períodos de transição, cuja importância, porém, ultrapassa – pelas possibilidades de ordem social que encerra – a de todos aqueles que o precederam. As transformações se processam tão profundas e radicais que a própria aventura humanística do Renascimento, sem embargo do seu
extraordinário alcance, talvez venha a parecer à posteridade, diante delas, um simples jogo pueril de intelectuais requintados. A cegueira é ainda, porém, tão completa, os argumentos "pró" e "contra" formam emaranhado tão caprichoso, que se afigura a muitos impossível surgir, de tantas forças contrárias, resultante
 apreciável; julgando outros simplesmente chegado – pois não perde a linha o pessimismo – o ano mil da arquitetura. As construções atuais refletem, fielmente, em sua grande maioria, essa completa falta de rumo, de raízes. Deixemos, no entanto, de lado essa pseudo-arquitetura, cujo único interesse é documentar,
objetivamente, o incrível grau de imbecilidade a que chegamos – porque, ao lado dela existe, já perfeitamente constituída em seus elementos fundamentais, em forma, disciplinada, toda uma nova técnica construtiva, paradoxalmente ainda à espera da sociedade à qual, logicamente, deverá pertencer. Não se trata, porém, evidentemente, de nenhuma antecipação miraculosa. Desde fins do século XVIII e durante todo o século passado, as experiências e conquistas, nos dois terrenos, se vêm somando paralelamente, – apenas, a natural reação dos formidáveis interesses adquiridos entravou, de certo modo, a marcha uniforme dessa evolução comum:
daí esse mal-estar, esse desacordo, essa falta de sincronização que, por momentos, se observa, e faz lembrar as primeiras tentativas do cinema sonoro – quando, com a boca já falando, o som ainda corria atrás.

Conquanto seja perfeitamente possível – como provam tantos exemplos – adaptar a nova arquitetura às condições atuais da sociedade, não é, todavia, sem constrangimento que ela se sujeita a essa contrafação mesquinha. Esta curiosa desarticulação mostra aos espíritos menos prevenidos quão próximos, na verdade, já nos achamos, socialmente, de uma nova mise au point, pois o nosso "pequeno drama" profissional está indissoluvelmente ligado ao grande drama social – esse imenso puzzle que se veio armando pacientemente – peça por peça – durante todo o século passado e, neste começo de século, se continua a armar com muito menos
paciência, não nos permitindo as peças que ainda faltam, a segurança de afirmar se é mesmo, de um anjo sem asas que se trata, como querem uns, ou, como asseveram outros – igualmente compenetrados – de um demônio imberbe.

Paira, com efeito, nos arraiais da arte – como nos demais – grande preocupação. Os grunhidos do lobo se têm feito ouvir com desoladora insistência, correndo a propósito boatos desencontrados, alarmantes. A atmosfera é de apreensões, como se o fim do mundo se aproximasse, cada qual se apressando em gozar os últimos instantes de evasão: escrevendo, pintando, esculpindo – as últimas folhas, telas ou fragmentos de emoção desinteressada, antes da opressão do curral que se enuncia com a humilhação do mergulho carrapaticida.

Em momentos como este pouco adianta falar à razão: não apenas porque nenhuma atenção será prestada a quem não grite, como porque – alguém acaso escutando – muito se arrisca a ser vaiado. Ninguém se entende: uns, impressionantemente proletários, insistem em restringir a arte aos contornos sintetizadores do cartaz de
propaganda, negando interesse a tudo que não cheire a suor; outros, eminentemente estetas, pretendem conservá-la em atitude equívoca e displicente entre nuvens aromáticas de incenso. Como sempre, no entanto, a verdade não se vexa: além da benção do sorriso branco – todos têm o seu bocado no colo opulento e acolhedor da babá. Ponhamos, pois, os pontos nos ii. É livre a arte; livres são os artistas – a receptividade deles é, porém, tão grande quanto a própria liberdade: apenas estoura, distante, um petardo certa atitude de afetada displicência.
 necessidades da vida de hoje e possibilidades dos atuais processos construtivos – causa pena; chega mesmo a comover o cuidado, a prudência pudica, os prodígios de engenho empregados paraEnquanto os engenheiros americanos elevam a uma altura nunca dantes atingida, as impressionantes afirmações metálicas da nova técnica – os arquitetos americanos, vestindo as mesmas roupas, usando os mesmos cabelos, sorrisos e chapéus, porém desgostosos com o passado pouco monumental que os antepassados legaram e sem nada compreender do instante excepcional que estamos vivendo – embarcam, tranqüilamente, para a Europa, onde se abastecem das mais falsas e incríveis estilizações modernas, dos mais variados e estranhos documentos arqueológicos, para grudá-los – com o melhor cimento – aos arcabouços impassíveis, conferindo-lhes assim a desejada percentagem de "dignidade".
O nosso interesse – como arquitetos – pela lição dos meios de transporte, a teimosa insistência com que nos voltamos para esse exemplo, é porque trata de criações, onde a nova técnica, encarando de frente o problema, e sem qualquer espécie de compromissos, – disse a sua palavra desconhecida, desempenhandose da tarefa com simplicidade clareza, elegância e economia. A arquitetura terá que passar pela mesma prova. Ela nos leva, é verdade, além – é preciso não confundir – da simples beleza que resulta de um problema tecnicamente resolvido; esta é, porém, a base em que se tem de firmar – invariavelmente – como ponto de partida.

De todas as artes é, todavia, a arquitetura – em razão do sentido eminentemente utilitário e social que ela tem – a única que, mesmo naqueles períodos de afrouxamento, não se pode permitir – senão de forma muito particular – impulsos individualísticos. Personalidade, em tal matéria, se não é propriamente um defeito, deixa, em todo caso, de ser recomendação. Preenchidas as exigências de ordem social, técnica e plástica a que, necessariamente, se tem de cingir, as oportunidades de evasão se apresentam bastante restritas; e se, em determinadas épocas, certos arquitetos de gênio revelam-se aos contemporâneos desconcertantemente originais (Brunellesco no começo do século XV, atualmente, Le Corbusier), isto apenas significa que neles se concentram em um dado instante preciso – cristalizando-se de maneira clara e definitiva em suas obras – as possibilidades, até então sem rumo, de uma nova arquitetura. Daí não se infere que, tendo apenas talento, se possa repetir a façanha: a tarefa destes, como a nossa – que não temos nem um nem outro – limita-se em adaptá-las às imposições de uma realidade que sempre se transforma – respeitando, porém, a trilha que a mediunidade dos precursores revelou.

Ainda existe, no entanto, presentemente, completo desacordo entre a arte, no sentido acadêmico, e a técnica: a tenacidade, a dedicação, a intransigente boa fé, com que tantos arquitetos – moços e velhos – se empenham às cegas, por adaptar num impossível equilíbrio, a arquitetura que lhes foi ensinada às
preservar no triste contato da realidade – a suposta reputação da donzela arquitetura. Um verdadeiro reduto de batalhadores apaixonados e destemerosos se formou em torno à cidadela sagrada, e, penacho ao vento, pretende defender, contra a sanha bárbara da nova técnica, a pureza sem mácula da deusa inatingível.

Todo esse augusto alarido resulta, porém, de um equívoco inicial: aquilo que os senhores acadêmicos – iludidos da própria fé – pretendem conservar como a deusa em pessoa – não passa de uma sombra, um simulacro; nada tem a ver com o original do qual apenas é o arremedo em cera. Ela ainda possui aquilo que os
senhores acadêmicos já perderam – e continua a sua eterna e comovente aventura.  Mais tarde, enternecidos, os bons doutores passarão uma esponja no passado e aceitarão, como legítima herdeira, esta que já é hoje uma garota bem esperta, de cara lavada e perna fina. É pueril o receio de uma tecnocracia; não se trata do monstro causador de tantas insônias em cabeças ilustres – mas de animal perfeitamente domesticável, destinado a se transformar no mais inofensivo dos bichos caseiros. Especialmente no que diz respeito ao nosso país, onde tudo ainda está, praticamente, por fazer – e tanta coisa por desmanchar; e tudo fazemos mais ou menos de ouvido, empiricamente – profligar e enxotar a técnica com o receio de uma futura e problemática hipertrofia, parece-nos, na verdade, pecar por excesso de zelo. Que venha e se alastre despertando com a sua aspereza e vibração este nosso jeito desencantado e lerdo, porquanto a maior parte – apesar do ar pensativo que tem – não pensa, é mesmo, em coisa alguma.

Seja como for, não sendo ela um fim, mas, simplesmente, o meio de alcançá-lo, não lhe cabe a culpa se os benefícios, porventura obtidos, nem sempre têm correspondido aos prejuízos causados, mas àqueles que a têm nas mãos. E, neste particular, o exemplo dos EUA – onde, num respeitoso tributo à Arte, as estruturas mais puras deste mundo são religiosamente recobertas, de cima abaixo, de todos os detritos do passado – é típico.
 O que caracteriza e, de certo modo, comanda a transformação radical de todos os antigos processos de construção – é a ossatura independente. Tradicionalmente, as paredes – de cima abaixo do edifício cada vez mais espessas até se esparramarem solidamente ancoradas ao solo – desempenharam função capital: formavam a própria estrutura, o verdadeiro suporte de toda a fábrica. Um milagre veio, porém, libertá-las dessa carga secular. A revolução, imposta pela nova técnica, conferiu outra hierarquia aos elementos da construção, destituindo as paredes do pesado encargo que lhes fora sempre atribuído e do qual – seja dito a bem da verdade – souberam desempenhar-se a contento e com inexcedível "dedicação". Embora essa destituição possa representar – sob o ponto de vista estritamente "moral" – um rebaixamento, necessário se torna, no entanto, convir que, em idade tão avançada e na contingência de precisar resistir a esforços sempre maiores – mantêlas no cargo seria expor-se a surpresas desagradáveis, de conseqüências imprevisíveis. A nova função que lhes foi confiada – de simples vedação – oferece, sem os mesmos riscos e preocupações – outras comodidades. Toda a responsabilidade foi transferida, no novo sistema, a uma ossatura independente, podendo tanto ser de concreto armado como metálica. Assim, aquilo que foi – invariavelmente – uma espessa muralha durante várias dezenas de séculos, pôde, em algumas dezenas de anos, graças à nova técnica, transformar-se (quando convenientemente orientada, bem entendido: sul no nosso caso) em uma simples lâmina de cristal. Certas pessoas se mostrama qualquer distância, ondulam acompanhando o movimento normal do tráfego interno, permitindo outro rendimento ao volume construído.seus volumes de pura geometria – aquela disciplina e retenue próprias da grande arquitetura; conseguindo mesmo, um valor plástico nunca dantes alcançado, e que a aproxima – apesar do seu ponto de partida rigorosamente utilitário – da arte pura. É essa seriedade, esse quê de impassível altivez – a melhor– empenhando-se em produzir aquilo que os únicos interessados ainda não lhe reclamaram.
No entanto, os "velhos" europeus, fartos de uma herança que os oprime, caminham para a frente, fazendo a vida nova à própria custa, aproveitando as possibilidades do material e da prodigiosa técnica que os "jovens" americanos não souberam utilizar. Assim, com vinte séculos de intervalo, a história se repete. Os romanos – admiráveis engenheiros – servindo-se de alvenaria e concreto, ergueram, graças aos arcos e abóbadas – estruturas surpreendentes: não perceberam que a dois passos estava a arquitetura – apelaram para a Grécia decadente. Revestiram a nudez sadia dos seus monumentos com uma crosta de colunas e platibandas de mármore e travertino – vestígios de um sistema construtivo oposto. E foram precisamente os gregos em Bizâncio – Santa Sofia – que aproveitaram, tirando-lhe todo o partido da
extraordinária beleza – a nova técnica. Aliás, existem outras curiosas afinidades entre esses dois povos tão afastados no tempo: a coragem de empreender, a arte de organizar, a ciência de administrar; a variedade das raças; a opulência dos centros cívicos; os estádios e certa ferocidade esportiva; o pragmatismo; o mecenismo; o gosto da popularidade; o próprio jeitão dos senadores e, até mesmo, a mania das recepções triunfais – tudo os aproxima. Tudo que o romano tocava, logo tomava ares romanos; quase todos que atravessam o continente saem carimbados: EUA.

A nova técnica reclama a revisão dos valores plásticos tradicionais.
alarmadas quando se fala em vidro – como se aqueles compartimentos necessários em diferentes circunstâncias, a certas atitudes igualmente indispensáveis e variadas, devessem também ser de vidro: poderão continuar fechados, ou apenas translúcidos, não há como recear – a "dignidade" será mantida.

Parede e suporte representam hoje, portanto, coisas diversas; duas funções nítidas, inconfundíveis. Diferentes quanto ao material de que significa essa independência – temos a chave que permite alcançar, em todas as suas particularidades, as intenções do arquiteto moderno; e falsa superposição. Fabricadas com materiais leves, à prova de som e das variações de temperatura; livres do encargo rígido de suportar, deslizam ao lado das impassíveis colunas, param

É este o segredo de toda a nova arquitetura. Bem compreendido o que significa essa independência – temos a chave que permite alcançar, em todas as suas particularidades, as intenções do arquiteto moderno; porquanto foi ela o trampolim que, de raciocínio em raciocínio, o trouxe às situações atuais, – e não apenas no que se relaciona à liberdade de planta, mas ainda, no que respeita à fachada, já agora denominada "livre": pretendendo-se significar com essa expressão a nenhuma dependência ou relação dela com a estrutura. Com efeito, os balanços impostos pelo aproveitamento racional da armação dos pisos teve como conseqüência imediata
transferir as colunatas – que sempre se perfilaram, muito solenes, do lado de fora – para o interior do edifício, deixando assim às fachadas (simples vedação) absoluta liberdade de tratamento: do fechamento total ao pano de vidro; e como, por outro lado, os cantos aparentes do prédio não têm mais responsabilidades de amarração – o que motivara, tradicionalmente, a criação dos cunhais reforçados – os vãos, livres de qualquer impedimento, podem vir morrer de encontro ao topo dessas paredes protetoras – fato este de grande significação, porquanto a beleza em arquitetura – satisfeitas as proporções do conjunto, e as relações entre as partes e o todo – se concentra nisto que constitui propriamente a expressão do edifício: o jogo de cheios e vazios. Conquanto esse contraste, de que depende em grande parte, a vida da composição, tenha constituído uma das preocupações capitais de toda a arquitetura – se teve sempre que pautar, na prática, aos limites impostos pela segurança, que assim, indiretamente, condicionava os padrões usuais de beleza às possibilidades do sistema construtivo.

A nova técnica, no entanto, conferiu a esse jogo imprevista elasticidade, permitindo à arquitetura uma intensidade de expressão até então ignorada: a linha melódica das janelas corridas, a cadência uniforme dos pequenos vãos isolados, a densidade dos espaços fechados, a leveza dos panos de vidro, tudo voluntariamente excluindo qualquer idéia de esforço, que todo se concentra, em intervalos iguais, nos pilotis – solto no espaço – o edifício readquiriu, graças à nitidez das suas linhas e à limpidez dos
característica dos verdadeiros exemplos da nova arquitetura e que os distingue, precisamente, do falso modernismo, cujos ares brejeiros de trocadilho, têm qualquer coisa de irresponsável.

Entretanto, tais soluções, características e de grande beleza plástica, chocam aqueles que, armados de preconceitos, e não convenientemente esclarecidos ainda das razões e sentido da nova arquitetura, procuram analisá-la, baseados, não somente nos princípios permanentes – que estes ela os respeita integralmente –
mas naqueles que resultaram de uma técnica diferente, pretendendo assim descobrir-lhe qualidade que ela não pode nem deve possuir. Todavia, muitos poucos entre nós (1934) compreendem, em seu verdadeiro sentido, essas transformações. Conquanto a estrutura seja, de fato, independente – o material ainda empregado no
enchimento das paredes externas e divisórias é pesado e impróprio para tal fim, obrigando-as assim, naturalmente, a não perder de vista as vigas e nervuras, para evitar um reforço antieconômico das respectivas lajes; daí a preocupação de interpenetrar – numa identificação impossível e estéril – a espessura contraditória das colunas e paredes – e, como ainda procuramos recompor as fachadas reproduzindo as idéias mentirosas de embasamento e parede-suporte – atribuindo, assim, aos nossos edifícios, certas aparências próprias a construções de outro sistema: todas as
possibilidades da nova técnica são, praticamente, anuladas – carecendo de significação a maior parte das tentativas, apesar das grotescas feições modernísticas e outras incongruências. (1934) É preciso, antes do mais, que todos – arquitetos, engenheiros, construtores e o público em geral – compreendam as vantagens,
possibilidades e beleza própria que a nova técnica permite, para que então a indústria se interesse, e nos forneça – economicamente – os materiais leves e à prova de ruído, que a realidade necessita. Não podemos esperar que ela tome a si todos os riscos da iniciativa

Além do ar condicionado, que já é uma realidade, e o complemento lógico da arquitetura moderna (é expressiva a anedota-reclame do médico que recomenda ao doente a freqüência assídua ao cassino da Urca) – é imprescindível que a indústria se apodere da construção, produzindo, convenientemente apurados, todos osaborrecer àquele gosto (quase mania) de variedade a que nos acostumou o ecletismo diletante do século passado, – é um sintoma inequívoco de vitalidade e vigor; a maior prova de não estarmos diante de experiências caprichosas e inconsistentes como aquelasainda aceitos pela maioria – tenderão, todavia, a desaparecer. Quanto à ausência de ornamentação, não é uma atitude, mera afetação como muitos ainda hoje supõem – parece mentira – mas a conseqüência lógica da evolução da técnica construtiva, à sombra da evolução social, ambas (não será demais insistir) condicionadas àpressuposto que se possa alegar, como justificativa, a influência centralizadora da Igreja – ainda havia índios nas nossas praias virgens do suor português: começou com a expedição turístico-militar de Carlos VIII à Itália, na primavera de 1494 – a que se seguiram as Luís XII e Francisco I. Foi então que se derramou pela Europa inteira – cansada de malabarismos góticos – o novo entusiasmo que, como a expansibilidade de um gás, penetrou todos os recantos do mundo ocidental – intoxicando todos os espíritos. E a nova arquitetura, mesclando-se de início às caturrices góticas, foi, aos poucos, simplificando, suprimindo os barbarismos, impondo ordenação, ritmo, simetria, até culminar no classicismo do século XVIII e no academismo que se lhe seguiu. Nada se pode, com efeito, imaginar portanto, temporária – é, porém, tão humana, tem um gosto tão forte de adolescência, que faz sorrir, porquanto repete – com acentuada malícia – a pequena tragédia do "novo rico" burguês, com o agravante de ser, desta vez, coletiva.
Agora, estimulados pelo nacionalismo racista, no seu apelo aos últimos vestígios de aspereza gótica que se possam, porventura, ainda esconder sob o brilho da Kultur
Ainda agora é fácil reconhecer no modernismo alemão os traços inconfundíveis desse barroquismo, apesar das exceções merecedoras de menção, entre as quais, além da de Walter Gropius, a da obra verdadeiramente notável de Mies van der Rohe: milagre da simplicidade, elegância e clareza, cujos requintes, longe de prejudicá-la, dão-nos uma idéia precisa do que já hoje poderiam ser as nossas casas. Nada tem, ainda, de eslava, como se poderia confusamente supor, baseado no fato de ser a Rússia, de todos os países, o mais empenhado na procura do novo equilíbrio – consentâneo com a noção mais ampla de justiça social que a grande indústria, convenientemente orientada e distribuída, permite, e cujas necessidades e problemas coincidem com as possibilidades e soluções que a nova técnica impõe.

Para comprová-lo, basta que se note a maneira pouco feliz com que os russos – apesar das experiências iniciais do “construtivismo” – dela se têm servido, o que atesta uma estranha incompreensão. Torna-se, mesmo, curioso observar que a Rússia – como as demais nações – também reage, presentemente, contra os princípios da boa arquitetura, procurando em Roma inspiração às obras de caráter monumental com que pretende “épater” turistas beócios e camponeses recalcitrantes. Não passará este fato, possivelmente, de uma crise de fundo psicológico e de fácil explicação. Era, na verdade, industrialmente, esse país, um
dos menos preparados para embarcar na aventura comunista; não obstante, em menos de vinte anos de trabalho (1934), o resultado já obtido, – embora o padrão de vida ainda seja baixo, com relação ao de certos países capitalistas – surpreenda os espíritos mais cépticos. É, pois, natural que – depois de tantos séculos de exploração sistematizada e miséria – o otimismo transborde e se derrame em aparatosas manifestações exteriores, numa escolha, nem sempre feliz, de formas de expressão. Essa falta de medida – resultante de uma crise de crescimento e,

Filia-se a nova arquitetura, isto sim, nos seus exemplos mais característicos – cuja clareza e objetividade nada têm do misticismo nórdico – às mais puras tradições mediterrâneas, àquela mesma razão dos gregos e latinos, que procurou renascer no Quatrocentos, para logo depois afundar sob os artifícios da maquilagem 
acadêmica – só agora ressurgindo, com imprevisto e renovado vigor. E aqueles que, num futuro talvez não tão remoto como o nosso comodismo de privilegiados deseja, tiveram a ventura – ou o tédio – de viver dentro da nova ordem conquistada, estranharão, por certo, que se tenha pretendido opor criações de origem idêntica e negar valor plástico a tão claras afirmações de uma verdade comum. Porque, se as formas variam – o espírito ainda é o mesmo, e permanecem, fundamentais, as mesmas leis.

Depois de uma coisa, vem outra; ser moderno é – conhecendo a fundo o passado – ser atual e prospectivo. Assim, cabe distinguir entre moderno e “modernista”, a fim de evitar designações inadequadas. A arquitetura dita moderna, tanto aqui como alhures, resultou de um processo com raizes profundas, legítimas e, portanto, nada tem a ver com certas obras de feição afetada e equivoca – estas sim, “modernistas”.
Ao contrario do que ocorreu na maioria dos países, no Brasil foram justamente aqueles poucos que lutaram pela abertura para o mundo moderno, os que mergulharam no país à procura das suas raízes, da sua tradição, tanto em São Paulo nos anos 20, como no Rio, em Minas, sul e nordeste nos anos 30, propugnando pela defesa e preservação do nosso passado válido (SPHAN)."

elementos de que ela carece. Entretanto, apesar das sedutoras possibilidades econômicas que tal aventura sugere, ela ainda se abstém de uma intromissão desassombrada em tão altos domínios, justamente receosa de incorrer em atitude sacrílega. E, também, porque, para se empreender alguma coisa, é preciso inicialmente saber-se, com a possível exatidão – aquilo que se pretende, para, então, mobilizar os meios necessários: é nesta obra grandiosa de abrir o caminho conveniente à indústria que, em todo o mundo, inúmeros arquitetos se empenham com fé, alguns com talento, e um – com gênio. Todos, porém, de acordo com o seguinte princípio essencial: a arquitetura está além; a técnica – é o ponto de partida. E, se não podemos exigir de todos os arquitetos a qualidade de artistas, temos o direito de reclamar daqueles que o não forem, ao menos, a arte de
construir.

Embora desmascare os artificialismos da falsa imponência acadêmica, a nova arquitetura não se pretende furtar – como levianamente se insinua – às imposições da simetria, senão encará-la no verdadeiro e amplo sentido que os antigos lhe atribuíam: com medida – tanto significando o rebatimento primário em torno de um eixo, como o jogo dos contrastes sabiamente neutralizados em função de uma linha definida e harmônica de composição, sempre controlada pelos traços reguladores, esquecidos dos acadêmicos e tão do agrado dos velhos mestres. Ela caracteriza-se, aos olhos do leigo, pelo aspecto industrial e ausência de ornamentação. É nessa uniformidade que se esconde com efeito, a sua grande força e beleza: casas de moradia, palácios, fábricas – apesar das diferenças e particularidades de cada um, têm entre si certo ar de parentesco, de família, que – conquanto possa
que precederam, porém de um todo orgânico, subordinado a uma disciplina, um ritmo – diante de um verdadeiro estilo enfim, no melhor sentido da palavra. Porque essa uniformidade sempre existiu e caracterizou os grandes estilos. A chamada arquitetura gótica, por exemplo, que o público se habituou a considerar própria, apenas, para construções de caráter religioso, era, na época, uma forma de construção generalizada – e aplicada indistintamente a toda sorte de edifícios, tanto de caráter militar, como civil ou eclesiástico.

Da mesma forma com a arquitetura contemporânea. Essa feição industrial que, erradamente, lhe atribuímos, tem origem – além daqueles motivos de ordem técnica já referidos, e social, a que as regras atuais de bienséance não permitem alusão – num fato simples: as primeiras construções em que aplicaram os novos
processos foram, precisamente, aquelas em que, por serem exclusivamente utilitárias, os pruridos artísticos dos respectivos proprietários e arquitetos serenaram em favor da economia e do bom senso – permitindo assim que tais estruturas ostentassem, com imaculada pureza, as suas formas próprias de expressão. Não se trata, porém, como apressadamente se concluiu – incidindo em lamentável confusão – de um estilo reservado, apenas, a determinada categoria de edifícios, mas de um sistema construtivo absolutamente geral.

É igualmente ridículo acusar-se de monótona a nova arquitetura simplesmente porque vem repetindo, durante alguns anos, umas tantas formas que lhe são peculiares – quando os gregos levaram algumas centenas trabalhando, invariavelmente, no mesmo padrão, até chegarem às obras-primas da acrópole de Atenas. Os estilos se formam e apuram, precisamente, à custa dessa repetição – que
perdura enquanto se mantém as razões profundas que lhe deram origem.

Tais preconceitos têm cedido um pouco à conveniência e, conquanto
máquina. O ornato no sentido artístico e humano que sempre presidiu à sua confecção é, necessariamente, um produto manual. O século XIX, vulgarizando os moldes e as formas, industrializou o ornato, transformando-o em artigo de série, comercial, tirando-lhe assim a principal razão de ser – a intenção artística, e despindo-o de qualquer interesse como documento humano. O "enfeite" é, de certo modo, um vestígio bárbaro – nada tendo a ver com a verdadeira arte, que tanto pode servir dele como ignorálo. A produção industrial tem as qualidades próprias: a pureza das formas, a nitidez dos contornos, a perfeição do acabamento.

Partindo destes dados precisos e por um rigoroso processo de seleção, poderemos atingir, como os antigos, – com a ajuda da simetria – a formas superiores de expressão, contanto para tanto com a indispensável colaboração da pintura e da escultura – não no sentido regional e limitado do ornato, porém num sentido mais
amplo. Os grandes panos de parede tão comuns na arquitetura contemporânea são verdadeiros convite à expressão pictórica, aos baixos-relevos, à estatuária como expressão plástica pura, integrada ou autônoma. Além daquela aparente uniformidade, daquele tom de conversa que predomina nas construções contemporâneas tanto de caráter privado como público, em contraste com o tom de discurso exigido para estas últimas pelos nossos avós – ainda se quer atribuir, à nova arquitetura, outro pecado: o internacionalismo.

Acreditamos que tal receio seja, no entanto, tardio, pois a internacionalização da arquitetura não começou com o concreto armado e o "após-guerra", quando começou – desprezando as arquiteturas românica e gótica, eminentemente internacionais, no
tão absolutamente internacional como essa estranha maçonaria que – supersticiosamente – de Berlim a Washington, de Paris a Londres ou Buenos Aires, com insistência desconcertante, repetiu, até ontem – as mesmas colunatas, mesmos frontões, mesmíssimas cúpulas, indefectíveis.

Assim, o internacionalismo da nova arquitetura nada tem de excepcional, nem de particularmente judaico – como, num jogo fácil de palavras, se pretende – apenas respeita um costume secularmente estabelecido. É, mesmo, neste ponto – rigorosamente tradicional. Nada tem tampouco de germânica – conquanto na Alemanha mais do que em qualquer outro país, o após-guerra, juntando-se às verdadeiras causas anteriormente acumuladas, criasse atmosfera propícia, servindo  de pretexto à sua definitiva eclosão – pois apesar da quantidade, a qualidade dos exemplos deixa bastante a desejar, acusando mesmo, a maioria, uma ênfase barroca nada recomendável. Com efeito, enquanto nos países de tradição latina – inclusive as colônias americanas de Portugal e Espanha – a arquitetura barroca soube sempre manter, mesmo nos momentos de delírio a que por vezes chegou, certa compostura, até dignidade, conservando-se a linha geral da composição, conquanto elaborada, alheia ao assanhamento ornamental – nos países de raça germânica, encontrando no barbarismo atávico, recalcado pelas boas maneiras do Renascimento, campo propício, frutificou, atingindo a um grau de licença – senão mesmo deboche plástico – sem precedentes.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Manifesto Acerca da Arquitetura Moderna

   O manifesto abaixo é radical e ao mesmo tempo corajoso por expor o que alguns arquitetos pensavam sobre as correntes clássicas, logo no início do movimento modernista. Era um sentimento de negação e de vergonha daqueles que por algum motivo, tentavam voltar ao passado. É uma boa leitura, impactante, porém a verdade.

Este é um manifesto publicado no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, em 01 de novembro de 1925. Republicado em Depoimentos nº 1, Centro de Estudos Brasileiros, GFAU, São Paulo, s/d, na Arte em Revista nº 4 (Arquitetura Nova), São Paulo, em agosto de 1980, e em Arquitetura Moderna Brasileira: Depoimento de uma Geração (coletânea de textos organizada por Alberto Xavier), ABEA/FVA/PINI – Projeto Hunter Douglas, São Paulo, 1987.

"A nossa compreensão de beleza, as nossas exigências quanto à mesma, fazem parte da ideologia humana e evoluem incessantemente com ela, o que faz com que cada época histórica tenha sua lógica de beleza. Assim, por exemplo, ao homem moderno, não acostumado às formas e linhas dos objetos pertencentes às épocas passadas, eles parecem obsoletos e às vezes ridículos.
Observando as máquinas do nosso tempo, automóveis, vapores, locomotivas, etc, nelas encontramos, a par da racionalidade da construção, também uma beleza de formas e linhas. Verdade é que o progresso é tão rápido que tipos de tais máquinas, criadas ainda ontem, já nos parecem imperfeitos e feios. Essas máquinas são construídas por engenheiros, os quais, ao concebê-las, são guiados apenas pelo princípio de economia e comodidade, nunca sonhando em imitar algum protótipo. Esta é a razão porque as nossas máquinas modernas trazem o verdadeiro cunho de nosso tempo.
A coisa é muito diferente quando examinamos as máquinas para habitação – edifícios. Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma distribuição racional da luz, calor, água fria e quente, etc. A construção desses edifícios é concebida por engenheiros, tomando-se em consideração o material de construção da nossa época, o cimento armado. Já o esqueleto de um tal edifício poderia ser um monumento característico da arquitetura moderna, como o são também pontes de cimento armado e outros trabalhos, puramente construtivos, do mesmo material. E esses edifícios, uma vez acabados, seriam realmente monumentos de arte da nossa época, se o trabalho do engenheiro construtor não se substituísse em seguida pelo arquiteto decorador. É aí que, em nome da ARTE, começa a ser sacrificada a arte. O arquiteto, educado no espírito das tradições clássicas, não compreendendo que o edifício é um organismo construtivo cuja fachada é sua cara, prega uma fachada postiça, imitação de algum velho estilo, e chega muitas vezes a sacrificar as nossas comodidades por uma beleza ilusória. Uma bela concepção do engenheiro, uma arrojada sacada de cimento armado, sem colunas ou consolos que a suportem, logo é disfarçada por meio de frágeis consolas postiças asseguradas com fios de arame, as quais aumentam inútil e estupidamente tanto o peso como o custo da construção.
Do mesmo modo cariátidas suspensas, numerosas decorações não construtivas, como também abundância de cornijas que atravessam o edifício, são coisas que se observam a cada passo na construção de casas nas cidades modernas. É uma imitação cega da técnica da arquitetura clássica, com essa diferença que o que era tão só uma necessidade construtiva ficou agora um detalhe inútil e absurdo. As consolas serviam antigamente de vigas para os balcões, as colunas e cariátidas suportavam realmente as sacadas de pedra. As cornijas serviam de meio estético preferido da arquitetura clássica para que o edifício, construído inteiramente de pedra de talho, pudesse parecer mais leve em virtude de proporções achadas entre linhas horizontais. Tudo isso era lógico e belo, mas não é mais.
O arquiteto moderno deve estudar a arquitetura clássica para desenvolver seu sentimento estético e para que suas composições reflitam o sentimento do equilíbrio e medida, sentimentos próprios à natureza humana. Estudando a arquitetura clássica, poderá ele observar quanto os arquitetos de épocas antigas porém fortes sabiam corresponder às exigências daqueles tempos. Nunca nenhum deles pensou em criar um estilo, eram apenas escravos do espírito do seu tempo. Foi assim que se criaram espontaneamente os estilos de arquitetura conhecidos, não somente por monumentos conservados – edifícios, como também por objetos de uso familiar colecionados por museus. E é de se observar que esses objetos de uso familiar são do mesmo estilo que as casas onde se encontram, havendo entre si perfeita harmonia. Um carro de cerimônia traz as mesmas decorações que a casa do seu dono.
Encontrarão os nossos filhos a mesma harmonia entre os últimos tipos de automóveis e aeroplanos de um lado e a arquitetura das nossas casas de outro? Não, e esta harmonia não poderá existir enquanto o homem moderno continue a sentar-se em salões estilo Luiz tal ou em salas de jantar estilo Renaissance, e não ponha de lado os velhos métodos de decoração das construções. Vejam as clássicas pilastras, com capitéis e vasos, estendidas até o último andar de um arranha-céu, numa rua estreita de nossas cidades! É uma monstruosidade estética! O olhar não pode abranger de um golpe a enorme pilastra, vê-se a base e não se pode ver o alto. Exemplos semelhantes não faltam.
O homem num meio de estilos antiquados, deve sentir-se como num baile fantasiado. Um jazz-band com danças modernas num salão estilo Luiz XV, um aparelho de telefonia sem fio num salão estilo Renascença, é o mesmo absurdo como se os fabricantes de automóveis resolvessem adotar a forma de carro dos papas do século XIV.
Para que a nossa arquitetura tenha seu cunho original, como o têm as nossas máquinas, o arquiteto moderno deve não somente deixar de copiar os velhos estilos, como também deixar de pensar no estilo. O caráter da nossa arquitetura como das outras artes, não pode ser propriamente um estilo para nós, os contemporâneos, mas sim para as gerações que nos sucederão. A nossa arquitetura deve ser apenas racional, deve basear-se apenas na lógica e esta lógica devemos opô-la aos que estão procurando por força imitar na construção algum estilo. É muito provável que este ponto de vista encontre uma oposição encarniçada por parte dos adeptos da rotina. Mas também os primeiro arquitetos do estilo Renaissance, bem como os trabalhadores desconhecidos que criaram o estilo gótico, os quais nada procuravam senão o elemento lógico, tiveram que sofrer uma crítica impiedosa de seus contemporâneos. Isso não impediu que suas obras constituíssem monumentos que ilustram agora os álbuns da história da arte.
Aos nossos industriais, propulsores do progresso técnico, incumbe o papel dos Médice na época da Renascença e dos Luizes da França. Os princípios da grande indústria, a estandartização de portas e janelas, em vez de prejudicar a arquitetura moderna, só poderão ajudar o arquiteto a criar o que, no futuro, se chamará o estilo do nosso tempo. O arquiteto será forçado a pensar com maior intensidade, sua atenção não ficará presa pelas decorações de janelas e portas, buscas de proporções, etc. As partes estandartizadas do edifício são como tons de música dos quais o compositor constrói um edifício musical.
Construir uma casa a mais cômoda e barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão de economia predomina sobre todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da funcionalidade do plano da disposição interior, como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo que é a sua alma.
O arquiteto moderno deve amar sua época, com todas as suas grandes manifestações do espírito humano, como a arte do pintor moderno ou poeta moderno deve conhecer a vida de todas as camadas da sociedade.

Tomando por base o material de construção de que dispomos, estudando-o e conhecendo-o como os velhos mestres conheciam sua pedra, não receando exibi-lo no seu melhor aspecto do ponto de vista da estética, fazendo refletir em suas obras as idéias do nosso tempo, a nossa lógica, o arquiteto moderno saberá comunicar à arquitetura um cunho original, cunho nosso, o qual será talvez tão diferente do clássico como este o é do gótico. Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divisa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno."

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Tratado De Architectura X

                    Sendo este o último livro do tratado, que trata especialmente das máquinas, e sendo este obviamente não tão essencial na minha concepção, direi mais sobre a minha impressão e conclusão dos livros.

LIVRO X
    
     Sendo Vitrúvio presumido como engenheiro do exército de Júlio César, logo se percebe o porquê de seu grande interesse em escrever sobre as máquinas, e em especial as máquinas de guerra, as quais eram projetadas por ele. Mas o décimo livro fala muito mais sobre as máquinas e também sobre os instrumentos.
     Para Vitrúvio, máquina era definida como uma coesa aparelhagem de madeira que proporciona as maiores vantagens para a movimentação de cargas. E era dividida em três gêneros: o gênero acrobático, vantajoso pela audácia, tinha a sua estrutura mantida coesa através de juntas, travessas, alças entrelaçadas e escoras de apoio; o gênero pneumático obtinha melhores resultados devido ao engenho da técnica; o tratório, porém, obtinha na prática maiores vantagens.
     As diferenças entre máquinas e instrumentos estava no fato de que as máquinas funcionavam a partir de interferências no seu movimento, pois são obrigadas por uma força maior; já os instrumentos funcionavam de acordo com a sua finalidade e mediante o controle experiente de um só manuseador.
     Os princípios das máquinas eram todos encontrados na natureza. Como exemplos de máquinas utilizadas na época de Vitrúvio, temos: os teares, as cangas, os arados, os lagares, carros e barcos. Como exemplos de instrumento, temos: balanças de peso, foles e tornos.
     Após breves definições, parte Vitrúvio para a explicação dos usos e da montagem de cada uma das máquinas para ocasiões específicas, como o transporte de capitéis e colunas, arquitraves e blocos de mármore a partir das pedreiras. Feitas tais explicações, fala sobre as dificuldades encontradas e também das tecnologias desenvolvidas para sanar essas dificuldades, como o desenvolvimento das técnicas de tração para a exploração do mármore. Fala então sobre alavancas, engenhos de tirar água, método do parafuso, engrenagens e finalmente chega no capítulo "Uso em tempo de guerra: escorpiões ou catapultas e balistas". A partir de então fala somente de máquinas utilizadas em combates e as melhores estratégias para utilizá-las.



                  A verdade é que os últimos capítulos me deixaram um tanto quanto desatenta. Mas o livro é bastante proveitoso, principalmente quando se deseja saber como as coisas começaram. Quem nunca teve curiosidade de saber o que os antigos pensavam e por que faziam as coisas como faziam e não do nosso jeito? Por isso é louvável o papel dos autores, que deixaram por escrito, assim como Vitrúvio, os seus ensinamentos ou pensamentos. E mesmo que hoje algumas coisas que estão no livro sejam consideradas incorretas, como no caso do pensamento geocêntrico, saber que este pensamento existiu e por quê já é de imenso valor. Espero não ter inebriado as ideias do autor, uma vez que o texto é de linguagem antiga e sua compreensão um pouco demorada. Esta livro foi, para mim, muito mais do que o início deste blog. Foi o início de um novo pensamento.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Tratado De Architectura IX

                    Vitrúvio, neste penúltimo capítulo, preocupou-se em deixar escritas as regras de gnomônica. Mas antes de se compreender o que Vitrúvio escreve, é preciso saber que todos os estudos apresentados por ele são baseados na teoria geocêntrica, ou seja, em que se acredita que a Terra é e está no centro de todo o Universo. Não devemos, porém, descartar o estudo deste nono livro por este motivo. Pelo contrário, devemos nos preocupar em compreender o porquê os contemporâneos de Vitrúvio e ele próprio pensavam dessa maneira. Além das regras sobre a construção do gnômon, já mostradas anteriormente, Vitrúvio traz informações sobre astronomia, caracterizando cada uma das constelações conhecidas na sua época e fala ainda sobre horóscopos.

LIVRO IX

     O conhecimento da astronomia e da gnomônica causam grande admiração de quem as observam, pois em cada cidade a sombra do gnômon no equinócio tem uma projeção diferente. Verificando-se assim que também os relógios são feitos com traçados diferentes dependendo do lugar. Partindo-se da teoria geocêntrica, para os doze signos do zodíaco era considerado um percurso através da abóbada celeste, assim como também eram definidos percursos para os planetas. Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno e o próprio Sol tinham suas órbitas definidas e, segundo estudos da época, eram todos considerados planetas que apenas diferiam pela grandeza de suas órbitas. Os movimentos de rotação e translação já eram estudados e entendidos como são atualmente. Vitrúvio inclusive compara a órbita da Lua com a do Sol, explicando que pelo motivo desses dois movimentos, o Sol faz um percurso de translação em doze meses ,enquanto a Lua faz o mesmo percurso a quantidade de trezes vezes no mesmo período.
     Apesar de defenderem a teoria geocêntrica, já estudavam o que chamavam de "atração do Sol". "Assim como o calor chama e atrai a si todas as coisas - como vemos os frutos crescendo da terra pelo seu efeito, assim como os vapores de água elevados pelo arco-íris desde as fontes até as nuvens -, também do mesmo modo o violento ímpeto do Sol, com os raios estendidos numa configuração triangular, atrai para si os astros que o seguem..." Podemos perceber neste trecho que tal atração não era entendida como concêntrica, mas sim triangular e tinha relação com a definição das órbitas dos planetas e suas passagens por cada signo (constelações).
     A ciência caldaica é citada por ter sido um caldeu o criador de teorias sobre a Lua. Beroso, o caldeu, afirmava que a Lua é uma esfera candente numa das suas metades, tendo na outra uma cor cerúlea e, quando encontra perpendicularmente os raios solares, toda a sua luz fica na sua face superior. Os caldeus também são conhecidos porque lhe é atribuída a invenção do horóscopo.
     Existia o conhecimento de que a Lua não emite luz própria, mas sim reflete a luz do Sol. As fases da Lua eram classificadas de primeira até quarta e o ciclo lunar era considerado o mesmo conhecido atualmente, de vinte e sete dias e uma hora, ou seja, vinte e oito dias.
     Em cada um dos meses o Sol, atravessando as constelações, aumenta e diminui a extensão dos dias. Para Vitrúvio tais diferenças no tamanho dos dias também interferiam nas horas, por isso tantas alterações nos relógios. Os equinócios e solstícios, como são chamadas estas variações, eram definidos a partir da movimentação do Sol, que errando em círculo pelos signos (constelações), faz aumentar ou diminuir, em tempos certos, os dias e as horas.
     Para a construção dos relógios solares, respeitava-se o traçado da sombra equinocial de cada lugar. Daí a existência de relógios diferentes para cada cidade. Segue-se então o traçado da linha do horizonte, os diâmetros da parte do verão e da parte do inverno e o traçado do analema, que para nós pode ser entendido como a diferença entre os equinócios. A partir destes traçados foram desenvolvidos vários tipos de relógios, como os relógios de água, utilizando maquinas hidráulicas e a técnica de engrenagens; relógios que marcavam meses, dias e horas; relógios de inverno; relógios com a marcação dos signos em seu tambor imóvel. As tecnologias utilizadas em cada um deles está esplanada na íntegra no nono livro.
    

                  Uma parte interessantíssima do livro, que eu pulei propositalmente para deixá-la para o final, é a explicação do desenho de cada uma das constelações e breves explicações de como encontrá-las. Não irei explicá-las, mas sim colocá-las à visão do leitor para seu breve divertimento, e é claro, o meu também!
                  O estudo das constelações é estreito ao estudo da mitologia grega e, por isso, deixarei um link para os interessados em conhecer melhor as duas coisas. Pra quê dar um Ctrl + V aqui se as informações estão prontas em um site especializado?

FICADICA:  Teknospace - Lendas Celestes

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Tratado De Architectura VIII

                    Oitavo livro. Falaremos agora das águas. Métodos para encontrá-la, como saber se é própria ou imprópria para o consumo. Como saber seu curso e melhores métodos para levá-la até as construções. Admito, é um livro muito interessante, pois às vezes não nos damos conta do quanto a água é essencial em nossas vidas.

LIVRO VIII

     A água é de suma importância para nós, seres humanos e estará mais acessível se houver mananciais abertos e fluentes. No entanto, se isso não ocorrer, deve-se procurá-la nos lençóis subterrâneos. Vitrúvio, em sua época, nos dispôs dos ensinamentos que recebeu de seus mestres e, obviamente os métodos utilizados por ele hoje já não são utilizados. "A sondagem será feira, deitando-nos com o maxilar apoiado no chão, antes do nascer do Sol, nos sítios onde quer se encontrar água (...). Naqueles lugares onde se observarem evaporações ondulantes elevando-se nos ares, aí se escavará." Para a localização dos lençóis, cavava-se e colocava-se por volta do pôr-do-sol, um vaso de bronze untado com azeite e em posição invertida. Se no dia seguinte fossem observadas gotas no vaso, certificavam de que ali havia água.
     As características geológicas também devem ser observadas, pois com efeito, modificam o sabor e a qualidade da água. Vitrúvio observou que na terra negra, por exemplo, as águas possuem ótimo gosto, assim como no cascalho, no saibro, na areia carbúnculo, em rochas vermelhas e em montes e penedias, apesar de algumas características serem diferentes pelo próprio lugar de onde são retiradas.
     Algumas plantas indicam a presença de água, como o junco, o salgueiro e a cana, pois essas espécies necessitam de grande quantidade de água para sobreviverem. Todavia estas plantas costumam nascer em côncavos de rios e em covas nas planícies, as quais recebem a água das chuvas e as conserva por mais tempo. Sendo assim não se deve enganar e considerar apenas aquelas que não foram semeadas, mas nasceram por si mesmas, sem ser nas covas.
     As águas das chuvas eram consideradas as mais limpas, por serem filtradas pela agitação do ar. Assim fala Vitrúvio, explicando pormenorizadamente a formação da chuva e o fenômeno em si, fazendo uma breve comparação com os vapores dos banhos e falando sobre a influência dos ventos nas águas.
     Sobre os rios, Vitrúvio destaca o fato de sempre as nascentes de grandes rios se originarem ao norte de seus cursos, como o exemplo do rio Nilo, que tem sua nascente na Mauritânia.
     Sobre as águas quentes, Vitrúvio diz não ter propriamente uma qualidade de água quente, mas a água pode ferver por aquecimento natural, como acontece nas fontes quentes. Toda fonte quente, porém, é medicinal, pois ao ser aquecida, recebe para os males físicos e mentais uma virtude nova. Por exemplo, fontes sulfurosas restauram as fadigas nervosas, já as fontes aluminosas curam os membros do corpo quando enfraquecem por paralisia e as fontes betuminosas costumam tratar dos males do interior do corpo, através de poções que o purificam. Há também águas frias medicinais, de tipo nitroso, que purifica o intestino, águas ácidas que dissolvem os cálculos da vesícula.
     Há também, na classificação de Vitrúvio, as águas nocivas, que não apresentam suficiente limpidez e são usadas somente para lavagens e outros fins; e as águas betuminosas, que jorram impregnadas de óleo, não sendo assim saudáveis, mas utilizada para banhos e nado. Há também as águas amargas, que jorrando de um solo de amargosa seiva, adquirem este gosto, assim como os frutos, pois suas disparidades de sabor se devem à terra em que são cultivados. As águas mortíferas, que ao percorrerem terras com seivas maléficas, absorvem o seu veneno, não podendo, assim, serem consumidas. Vitrúvio cita ainda, águas ineriantes, que entorpecem como o vinho; águas que curam o alcoolismo; águas que tornam insensíveis aqueles que a bebem; águas que fazem cair os dentes; águas que melhoram a voz.
     Vitrúvio fala ainda da água como elemento do nosso corpo e logo depois fala sobre o método para avaliar se uma água é boa. "Se onde ela nasce ou corre não nascer musgo nem junco, nem o sítio se encontrar inquinado por qualquer sujidade, mas tiver um aspecto limpo, pode-se deduzir desses sinais que a água é leve e da maior salubridade."
     A seguir, fala sobre o nivelamento das condutas, do ajustamento do nível da água e algumas leis da física aplicadas a esses assuntos. Fala dos processos utilizados na adução, distribuição de água, escavação de galerias e o emprego de diferentes tipos de cano, evitando-se sempre canos de chumbo pois são nocivos e incentivando o uso de canos cerâmicos, pois apresentam vantagens. Seu último assunto, a construção das cisternas, fala sobre as vantagens das cisternas duplas e triplas.


                     Seria interessante se aprofundar nestes últimos assuntos citados, os quais se encontram na integra no próprio livro Tratado De Arquitetura, no oitavo livro. Resolvi não aprofundar cada assunto pois são excessivamente teóricos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Tratado De Architectura VII

                    No sétimo livro, este que tratarei agora, Vitrúvio fala dos acabamentos. Beleza e solidez aliadas para fazer com que os edifícios respeitassem seus partidos de comensurabilidade, euritmia e, neste caso, principalmente de decoro. Nos próximos livros tratará de questões sobre a água, gnomônica e sobre as máquinas, sendo então este, o último livro que tem ligação direta com a arquitetura como é estudada atualmente. O estudo das águas, da astronomia e das máquinas como foi feito nos livros oito, nove e dez será aqui somente esboçado, retirando-se apenas o que for de suma importância para o entendimento de como eram vistas e feitas as construções na Antiguidade Clássica.

LIVRO VII

     Na preparação dos pavimentos, primeiro assunto abordado por Vitrúvio, ele ressalta que para este tipo de revestimento a argamassa era a que ocupava o primeiro lugar, de modo a haver maior preocupação com a solidez. Primeiro era verificado se o solo se encontrava todo compacto e só então era nivelado e espalhado o cascalho (pedras miúdas). Se por acaso o solo não for de seu todo sólido, será batido cuidadosamente com maços até que se torne. Depois, construíam-se os tabulados que sustentam os pavimentos, levando-se em conta a preferência por madeira de carvalho-ésculo. Em cima, era espalhado um leito de pedras médias para receber o cascalho argamassado, também compactado com batimentos contínuos. Após a compactação era aplicado um núcleo de três partes de tijolo cozido moído para uma de cal e só depois de colocado esse núcleo, eram dispostos os pavimentos em placas ou em mosaico. Depois de dispostos, os pavimentos eram polidos, de modo que não demonstrassem desnivelamentos, e recebiam pó de mármore e uma camada protetora de cal e areia. Para construções ao ar livre eram necessários reforços, tendo em vista que nos madeiramentos se originariam falhas ao longo do tempo.
     Para o revestimento de lacunários, a madeira da parte superior do teto deveria ser revestida por uma mistura de areia e cal, a fim de que, se caíssem algumas gotas de água dos telhados elas ficassem ali cingidas. Dispostas e entrelaçadas as cofragens e rebocado o seu interior, juntava-se areia, completando com greda ou mármore.
     No acabamento das paredes, completadas as cornijas, o reboco deveria ser o mais áspero possível, para que sobre eles fossem passadas algumas demãos de areia até atingir o nivelamento. Secando, lançava-se mais duas camadas para que a mistura de cal e areia fosse o mais compacta possível, só assim resistiria ao tempo. O uso do pó de mármore era feitos após todos os processos mencionados acima.
     Depois de feitas todas as camadas e passado o pó de mármore, a técnica do fresco permitia que depois de pintadas as paredes difundissem nítidos esplendores, devido ao material usado no acabamento, no caso o mármore.
     Em lugares úmidos, a preparação de rebocos deveria prosseguir diferente da anterior. Em primeiro lugar, ao invés da areia era utilizada cerâmica de construção moída. Se alguma parede se apresentasse de todo umidecida, levantava-se outra menos espessa e um pouco mais à frente. A parede deveria ser revestida e consolidada também com cerâmica de construção moída e só então era feito o revestimento.
      As tipologias decorativas deveriam estar de acordo com a conveniência e não mostrarem-se alheias aos diferentes estilos, por isso os pavimentos e os revestimentos deveriam ser de acordo com o ambiente e com as atividades ali realizadas.
     Em princípios instituídos pelos antigos a pintura apresentava imagens e imitações das figuras dos edifícios, além de lugares ao ar livre como litorais, rios e fontes. No entanto, na contemporaneidade de Vitrúvio esses princípios já não eram mais utilizados e inclusive eram considerados de mau gosto.
     Depois instituídos os principais modos de revestimento utilizados na sua época, Vitrúvio se preocupa em explicar os materiais utilizados e como eles eram conseguidos e fabricados.
     O pó de mármore não surgia com as mesmas características em todos os lugares. Em alguns lugares eram conseguidos em blocos utilizando grãos translúcidos como sal. Em outros, lascas desperdiçadas eram moídas e passadas ao crivo nas obras. Em outros locais o pó já era encontrado pronto, sendo até mais fino do que o feito à mão. No que se refere à cor, algumas surgiam espontaneamente e outras eram conseguidas a partir de outros elementos, através de certos processos ou misturas.
     Pigmentos naturais eram e são encontrados em muitos lugares e em várias cores. Eram obtidos a partir da escavação de terras pigmentos vermelhos, brancos, verdes, vermelho-alaranjados e azuis-esverdeados além das cores purpúreas obtidas de plantas.
     O pigmento vermelho obtido do cinábrio, do qual se descobriu o mercúrio e logo após a sua grande utilidade era conseguido depois do esmagamento dos seus torrões, lavagem e cozimento. No entanto, a cor conseguida era diferente em cada região que se extraía e com o tempo escurecia gradualmente se não fossem utilizadas técnicas para manter sua cor.
     Cores artificiais eram obtidas a partir da transformação de outras cores e a parir de misturas de cores, como por exemplo, o negro-de-fumo, o indigo, o azul-cerúleo, o ocre-queimado, a cerussa, o azebre, o vermelhão e a púrpura.